terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Bem-vindo verão!!!


Essa música é incrível. Para celebrar:

"... Meio no sufoco, meio coca-cola, meio mal da bola, meio inconsequente
Como se no meio da cidade, na velocidade, na saudade, na maldade a toa
Nessa claridade tanta coisa boa se desmancha feito um picolé no sol
E feito um picolé no sol, eu quero estar agora, pra esquecer do mal que ta fora..."

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O direito do mais forte ou o direito universal?

É justo Julian Assange ser preso segundo a filosofia de Hobbes? E a de Kant? Leia o texto abaixo retirado do blog O Biscoito Fino e a Massa para obter elementos para sua resposta.

Wikileaks: O 1º preso político global da internet e a Intifada eletrônica

Julian Assange é o primeiro geek caçado globalmente: pela superpotência militar, por seus estados satélite e pelas principais polícias do mundo. É um australiano cuja atividade na internet catupultou-o de volta à vida real com outra cidadania, a de uma espécie de palestino sem passaporte ou entrada em nenhum lugar. Ele não é o primeiro a ser caçado pelo poder por suas atividades na rede, mas é o primeiro a sofrê-lo de um jeito tentacular, planetário e inescapável. Enquanto que os blogueiros censurados do Irã seriam recebidos como heróis nos EUA para o inevitável espetáculo de propaganda, Assange teve todos os seus direitos mais elementares suspensos globalmente, de tal forma que tornou-se o sujeito mundialmente inospedável, o primeiro, salvo engano, a experimentar essa condição só por ter feito algo na internet. Acrescenta mais ironia, note-se, o fato de que ele fez o mais simples que se pode fazer na rede: publicar arquivos .txt, palavras, puro texto, telegramas que ele não obteve, lembremos, de forma ilegal.

Assange é o criminoso sem crime. Ao longo dos dias que antecederam sua entrega à polícia britânica, os aparatos estatal-político-militar-jurídico dos EUA e estados satélite batiam cabeças, procurando algo de que Assange pudesse ser acusado. Se os telegramas foram vazados por outrem, se tudo o que faz o Wikileaks é publicar, se está garantido o sigilo da fonte e se os documentos são de evidente interesse público, a única punição passível, por traição, espionagem ou coisa mais leve que fosse, caberia exclusivamente a quem vazou. O Wikileaks só publica. Ele se apropria do que a digitalização torna possível, a reprodutibilidade infinita dos arquivos, e do que a internet torna possível, a circulação global da hospedagem dessas reproduções. Atuando de forma estritamente legal, ele testa o limite da liberdade de expressão da democracia moderna com a publicação de segredos desconfortáveis para o poder. Nesse teste, os EUA (Departamento de Estado, Justiça, Democratas, Republicanos, grande mídia, senso comum) deixaram claro: não se aplica a Primeira Emenda, liberdade de expressão ou coisa que o valha. Uniram-se todos, como em 2003 contra as “armas de destruição em massa” do Iraque. Foi cerco e caça geral a Assange, implacável.
Fonte da imagem: http://peregrinacultural.wordpress.com

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A vida colonial vista da Casa Grande

Gilberto Freire tem a interpretação do Brasil mais conhecida no exterior. Fez escola os mitos que criou: a democracia racial, o coração generoso do senhor, o local privilegiado do escravo na vida colonial. Na minha opinião, a principal influência de Freire é Marcel Proust. A história não tem sentido. É um arrazoado de sentimentos gestados na volta da Casa Grande. A casa é o local acolhedor, seguro, protegido e sempre justo. Não existem problemas de classe. Afinal, quem fala é a classe dominante, da sombra fresca do alpendre, deitada em suas redes, vendo os negros trabalharem enquanto se empanturram de doces das negras quituteiras. Evidentemente, essas críticas não são suficientes para desmerecer o trabalho de GF. Mas é difícil engolir que o lugar mais bem nutrido da colônia fosse a senzala. Que o latinfúndio canavieiro fosse uma consequência lógica e inevitável da colonização. Que a escrava sedutora fosse a responsável pela libido elevada do senhor. Juntamente com as posições políticas assumidas posteriormente, como apoiar o golpe de 64, colocam GF, sem injustiças, à direita do espectro político. Enfim, GF é o intérprete que mostra o Brasil que as nossas elites gostam de enxergar: generosa nas mesquinhas condições do meio que ela mesma criou; gentilmente racista, reconhecendo as virtudes das raças à serviço do senhor; inteligente no comércio exterior, cosmopolita em seus berços holandeses e frutas e carnes podres importadas de Lisboa... Seja como for, GF fornece uma interpretação, embora pouco consistente, original e poderosa, do começo da colonização brasileira que deve ser lida.  Segue o último resumo da temporada de intérpretes, que formou ao longo das postagens feitas nesse blog  um mozaico quase bizantino do que é, afinal de contas, o ser brasileiro. 

A empresa de ocupar e colonizar o vasto território brasileiro levada a cabo pelos portugueses, sob as mais rudes condições, foi inegavelmente bem sucedida. O êxito deve ser avaliado, sobretudo, pelas conseqüências geradas. Em especial a unidade territorial, lingüística e cultural de um país de dimensões continentais. Se levarmos em conta o diminuto tamanho da população portuguesa, seu pequeno território e as dificuldades inerentes ao processo de colonização — que leva ao processo de despovoamento da metrópole - o êxito português torna-se ainda maior. Nessa empresa, sustenta Freyre, o português não esteve sozinho. Acompanhado pelo indígena nativo e pelo negro importado para o trabalho, o português, libidinoso e sem orgulho de raça, liderou o intenso processo de miscigenação que resultou na efetiva ocupação do território. A raça mestiça, contendo no sangue o índio, o negro e o europeu, estava em melhores condições de enfrentar as adversidades do clima e da precariedade de condições. Tudo faltava. Em parte devido às adversidades do clima, do solo. Preponderantemente devido às características peculiares da colonização portuguesa: seja pelas suas motivações econômicas, o lucro fácil, a empresa cosmopolita, seja pela Weltanschaung do português. Esse argumento é ilustrado por Freye ao analisar os hábitos alimentares da Colônia.
A comida era escassa e, em geral, de péssima qualidade. Mesmo na Casa Grande, os habitantes da Colônia eram muito mal nutridos. Em minucioso levantamento, Freyre identifica na inadequada alimentação um dos principais obstáculos para a colonização. Destaca o autor duas causas preponderantes: o meio — com solos pouco adequados para as culturas européias tradicionais; e, o homem, liderado a ferro e fogo pelo português, cujo propósito maior da aventura era a busca do lucro fácil, com aversão ao trabalho manual. Com a introdução da cana de açúcar, o quadro não se altera. Agora, em função da monocultura, todos os braços estão ocupados com o cultivo da cana, todas as atenções se voltam para a Europa, de onde se importa carne e frutas, de modo que não resta espaço para outras culturas ou para a criação de gado, tido como ameaça aos canaviais.

Nesse exemplo, Freyre analisa a influência dos dois fatores: o clima e o homem. Ainda que não exclua a importância do meio, uma vez que o solo alcalino impede o cultivo das fontes tradicionais de alimentação européia e que as variedades nativas eram poucas e insatisfatórias para quaisquer padrões civilizacionais, o autor considera como preponderantes para a questão alimentar a raça. Em especial, o pouco interesse português e, em breve, senhorial pela policultura. Curiosamente, repara Freyre, são os portugueses os inventores da plantação em larga escala para exportação. Verdadeiros universos paralelos, a grande lavoura canavieira tornava imprestável o solo para as demais culturas. As distâncias que impunha entre as comunidades faziam com que o gado chegasse magro, sem leite, e o prato permanecesse vazio. Esses fatores são culturais e, portanto, podiam ter sido contornados inteligentemente pelo europeu que se instalava e se misturava com as gentes da terra.
Finalmente, a relativa homogeneidade geográfica, com a inexistência de obstáculos naturais intransponíveis como grandes cadeias de montanhas ou desertos, fez com que a população se distribuísse com hábitos semelhantes pelo território. Isso resultaria numa vantagem, se o propósito do colônia fosse o povoamento. Como não era, a escassez era generalizada, O indígena, com seus hábitos rudimentares, baseado na caça e na pesca, na coivada e no cultivo da mandioca e tabaco não fornecia base material suficiente para a nova civilização que surgia, em grande parte estimulada pelos férteis ventres das índias. Outro fator cultural preponderante, além do trabalho do escravo negro, que vincou o que há de próprio e de mais fundamental na formação original do país.

Fonte das gravuras: scanneadas do meu exemplar, da 3ª ed. de 1938. Desconheço se foram mantidas nas versões mais atuais.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Teoria da Dependência

A teoria da dependência elaborada por Falleto e FHC é vista como uma das principais contribuições teóricas, originais, da América Latina no vasto e maravilhoso mundo das ciências humanas. De fato, um ensaio muito bem escrito e argumentado, mostrando maturidade e vigor, dentro de uma tradição de pensamento gestado na e em volta da USP. Um pensamento aristocrático, de uma elite rica e cosmopolita que tenta seriamente se compreender. Entre suas empresas mais notáveis na busca da autoidentidade está a criação da USP. 
A linhagem direta do pensamento crítico uspiano é Caio Prado Jr, intelectual rico e de muitas qualidades, marxista crítico do marxismo oficial, que tenta mas não consegue entrar na USP. Florestan Fernandes, criterioso estudioso do método nas ciências sociais e orientador de FHC, cuja tese trata da escravidão no Brasil Meridional. O trabalho de FF comentado em post anterior dá a base sob a qual se assenta a teoria da dependência. Assim, antes de fechar a temporada de intérpretes com o libidinoso Gilberto Freyre na próxima semana, o rigoroso, aristocrático, original e controverso sociólogo FHC.
A propósito. Uma leitura atenta do sociólogo não apresenta contradições com a prática do político. Ele fez de maneira mais articulada e com mais consciência de classe o que nossas elites sempre fizeram: se associar.

A estagnação econômica do início dos anos sessenta constituiu um importante desafio teórico para a compreensão da dinâmica econômica e social da América - Latina. De fato, a crise econômica e seu desenrolar político e econômico foram surpreendentes, já que jogou por terra as principais interpretações vigentes, representadas pelos expoentes do pensamento da CEPAL e do Marxismo. Ambas as correntes haviam apresentado argumentos para demonstrar as difíceis relações entre o centro e a periferia do sistema capitalista, bem como para ressaltar que o subdesenvolvimento devia-se aos parâmetros estruturais e à dependência das economias da AL. FHC considera que ambas as correntes foram importantes marcos para a compreensão da especificidade das economias da região. Contudo, o diagnóstico cepalino não permitia entender por que houve o “Milagre”, crescimento com concentração de renda. Já o marxismo oficial – diferente de Caio Prado Jr - se restringia a denunciar o imperialismo no plano internacional, enquanto pretendia realizar uma aliança dos trabalhadores com os empresários nacionais, que se mostraram contrariamente ao esperado por eles, apoiadores do golpe. Ambas as correntes não percebiam, segundo diagnóstico de FHC e Falleto, os condicionantes políticos e econômicos internos aos países da periferia que desempenharam importante papel nos desdobramentos econômicos e políticos sofridos pela região, em especial o estreitamento dos laços de dependência devido ao avanço da industrialização da periferia associada aos capitais internacionais.

No primeiro momento da industrialização por substituição de importações, chamado pelos autores de modelo latino-americano de desenvolvimento para dentro, os países da região foram beneficiados pelos termos de intercâmbio favoráveis e pela limitada participação da população nos benefícios do desenvolvimento. Contudo, superada a fase fácil do PSI, a fase seguinte do desenvolvimento, que requeria a criação dos setores tecnológica e economicamente mais significativos da indústria de bens intermediários e de capital, não teve fôlego para avançar somente com as forças internas, endógenas, às economias e sociedades latino-americanas. Estas não haviam promovido as reformas político-estruturais profundas requeridas para avançar para fase mais complexa do PSI, onde maiores inversões de capital e de tecnologia são necessárias, preservando espaço e poder para largos e influentes setores arcaicos da sociedade. A antiga aliança desenvolvimentista é desfeita quando o PSI avança para setores econômicos mais complexos e intensivos em capital, com protestos dos setores industriais da primeira fase, chamados tradicionais, assim como pelos setores urbano-industriais, vítimas das tecnologias modernas, mais produtivas e poupadoras de mão-de-obra.
A partir desse ponto de inflexão, o cerne mesmo do sistema industrial na periferia aparecerá cindido em diferentes grupos e classes sociais: o proletariado e empresariado moderno, por um lado; e, por outro, os agentes econômicos tradicionais, elementos dinâmicos da fase anterior, como produtores e exportadores, bem como os excluídos da antiga fase que permanecem excluídos no novo arranjo de forças. Desse modo, a dinâmica social e política da nova fase do desenvolvimento das economias dependentes-associadas deve ser buscada no enfrentamento e nos ajustes entre os grupos, setores e classes que gradualmente redefinem seus papéis econômicos e sociais. P.161.
O marco dessa nova situação de desenvolvimento se encontra na integração ao mercado mundial das economias industrial-periféricas, cujas inserções têm um significado bastante distinto do da fase anterior, quando as economias latino-americanas ainda estavam sob o signo da exportação de bens primários. A vinculação das economias periféricas ao mercado internacional se dá nessa nova fase pela mudança de natureza do capital estrangeiro investido. Os investimentos estrangeiros passam a se dar de forma direta, com a instalação de unidades industriais na periferia, o que leva a uma noção diferente de dependência – agora sob o predomínio do capitalismo industrial monopolista. Esse tipo de desenvolvimento continua supondo heteronímia e desenvolvimento parcial e não autonomia e desenvolvimento pleno (como supunha a CEPAL), devido tanto ao fato dos centros de decisão de investimento se situarem no exterior, quanto ao fato de que esses investimentos visarem a atender aos mercados consumidores internos dos países periféricos, inserindo-os de maneira subordinada aos padrões de consumo e regras de negócio dos países centrais.
Nesses moldes, o desenvolvimento depende da capacidade do país importar bens de capital e matérias-prima complementares, bem como exige a internacionalização das condições do mercado interno, o que leva ao estabelecimento de preferências e padrões de consumo copiados dos países centrais. Essa revolução industrial originada “de fora”, mas consentida e desejada pelas classes e grupos dominantes “de dentro”, reorganiza administrativa, tecnológica e financeiramente a sociedade, reordenando as formas de controle social e político. Neste novo tipo de desenvolvimento, os mecanismos de controle da economia nacional escapam parcialmente ao controle interno na medida em que certas normas universais do funcionamento de um sistema produtivo moderno são exigidas, levando à padronização e ordenamento supranacional dos mercados. Assim, à medida que o ciclo de realização do capital, por natureza concentrador, se completa no âmbito interno em função da grande unidade produtiva, de tecnologia invariavelmente estrangeira, o sistema econômico – as leis de mercado – impõe à sociedade suas normas naturais, restringindo o âmbito e a eficácia autônoma dos grupos locais.
Nessa forma específica de desenvolvimento, os mecanismos de mercado são estimulados especialmente pelas relações entre os produtores – entre as próprias empresas – que se constituem como os consumidores mais significativos para a expansão econômica. Assim, para aumentar a capacidade de acumulação desses “produtores-consumidores” é necessário conter as demandas reivindicatórias das massas, bem como intensificar a exclusão social das camadas sociais importantes do período anterior que não puderam encontrar espaço nesse novo arranjo social. Desse modo, há uma dupla subordinação, desenvolvimento restringido e dependente. Seja pela supremacia do setor monopolista, moderno, intensivo em tecnologia e capital, pertencente às burguesias internacionalizadas, seja pelas novas formas de dominação política que ele instaura. O setor industrial moderno e o setor agro-exportador industrializado podem manter-se e expandir-se em um ritmo relativamente lento, sem que sua presença alcance modernizar o conjunto da sociedade. Dessa forma, sob um capitalismo dependente, a industrialização permitiu o desenvolvimento de sociedades periféricas industrializadas, mas subordinadas ao capital e as preferências estrangeiras, copiadas avidamente pelo setor diretamente beneficiado desse estado-das-artes. O resultado foi um modelo capitalista baseado na exclusão social e na restrição ao desenvolvimento das forças autônomas do país. 

domingo, 28 de novembro de 2010

Pelo menos temos o SUS...


Falem o que falarem do SUS. Sou fã. Vi pessoalmente VÁRIAS pessoas serem salvas devido a sua existência. Crianças nascerem. Cirurgias de urgência complicadas. Semanas de internação. Tudo modesto, mas muito funcional E humano. Como, peloamordedeus, deixar os serviços de saúde aos cuidados do mercado? Melhor se queixar para um político que não olha apenas preços e quantidades.  

Um estudo recente da Faculdade de Medicina de Harvard indicou que quase 45 mil estadunidenses morrem anualmente (um a cada doze minutos) principalmente porque não têm seguro de saúde. Mas para o grupo pressão das empresas, a única tragédia seria a possibilidade de uma verdadeira reforma do sistema de saúde. Em 2009, as maiores empresas do setor destinaram mais de 86 milhões de dólares à Câmara de Comércio dos Estados Unidos para que esta se opusesse à reforma do sistema de saúde. Este ano, as cinco maiores seguradoras do país aportaram uma soma de dinheiro três vezes maior tanto para candidatos republicanos como para democratas com a intenção de fazer retroceder ainda mais a reforma da saúde. O representante democrata por Nova York, defensor do sistema de saúde público, declarou no Congresso que “o Partido Republicano é uma subsidiária que pertence por completo à indústria de seguros”.

Dica do Marco Weissheimer.

Em tempo: Nossos meios de comunicação prestam enorme desserviço ao denegrir sistematicamente o importante papel que um sistema de saúde como o nosso desempenha para a sociedade.

sábado, 27 de novembro de 2010

Ciência Regional

Ainda falta aplicá-la aos nossos parâmetros estruturais:


Walter Isard’s research contributions are large and diverse. His interests in regional and urban phenomena were formed during his graduate studies, leading to his first major book, Location and Space Economy (1956). Next, he initiated research on the economic and social consequences of atomic power and industrial complexes and intensified his research on methods of regional and urban analysis, including interregional interindustry models, interregional linear programming models, and migration and gravity models. This resulted in his second major book, Methods of Regional Analysis (1960), later thoroughly updated as Methods of Interregional and Regional Analysis (1998). During the 1960s Isard turned to more theoretical pursuits related to individual behavior and decision making as well as general equilibrium theory for a system of regions as presented in his third major book, General Theory (1969). Concurrently, he and his students undertook a major interindustry study of the Philadelphia region and other empirically-oriented research.

Dica do sempre bem informado: Leonardo Monastério

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Florestan Fernandes e a Revolução Burguesa no Brasil

Dialético - a palavra que melhor define o pensamento de FF. Filho de empregada doméstica, pesquisador incansável, criativo, líder, orientador de FHC (sim, aquele mesmo), legou vasta e admirável obra sobre diversos aspectos da sociedade brasileira, bastante desconhecido do grande público. O único professor que eu escutei falando (e bem) dele (não só aqui no Sul) foi o Pedro Fonseca. Claro, na USP devem se encher dele...
Quase terminando a estação dos intérpretes do Brasil, segue a Revolução Burguesa::


A ideia-chave para entender a Revolução Burguesa em FF é processo. Revolução como processo lento, gradual e de acomodação. “Revolução” é um conceito tradicionalmente visto como um ponto determinado no tempo onde ocorre uma mudança qualitativa. Mostrar que a revolução burguesa no Brasil foi um processo histórico é um ato de criatividade de FF. Todos os sistema capitalistas instituídos nos diferentes Estados-Nação têm que passar por um processo de construção histórica. No Brasil ele se deu de forma gradual, lenta, difícil, eivado de idas e vindas, conflituoso, se dando ao longo do tempo, assimilando e negando o legado do Império, bem como a inserção subordinada do país ao capitalismo internacional. A questão que se coloca para FF é determinar as continuidades e rupturas desse processo durante o período de constituição da ordem burguesa no país, marcada pelo gradualismo e pelo processo de acomodação, cuja inserção dependente no grande circuito do capital internacional deixou profundas marcas na constituição de nossa ordem burguesa.
Do ponto de vista metodológico, FF utiliza o método dialético, e analisa o concreto e específico do país frente ao conceito abstrato de "Revolução". Embora abarcadas pelo mesmo conceito, “Revolução Burguesa”, cada uma das revoluções burguesas presenciadas até hoje, mesmo que tenham largos traços comuns, ocorreram em países com contextos históricos concretos e específicos, resultando em diferentes interpretações e alcances dos efeitos da nova ordem social comandada pela burguesia.
Houve capitalismo no Brasil? Questão central para entender o processo da Revolução Burguesa e a interpretação que FF lhe dá. A literatura sobre esse assunto no Brasil se dividia em posições antagônicas. Autores como Caio Prado Jr. defendiam que sempre houve capitalismo no Brasil. Nelson Werneck Sodré e Alberto Passos Guimarães, representantes do 'marxismo oficial', consideravam que nunca houve. CPJr argumenta que sempre houve capitalismo, porque o ciclo da cana-de-açúcar, por exemplo, insere o país no circuito internacional do capital desde o seu nascimento, recusando, contudo, a aceitar que o senhor de engenho seja um capitalista. Este é visto como um agente para viabilizar a acumulação da metrópole, não se constituindo numa classe para si, ie., sem consciência. O seu excedente não é lucro. De outra parte, o marxismo oficial defende que nunca houve capitalismo e que a tarefa histórica a ser realizada é livrar o país do feudalismo. FF recusa ambas as teses.
Para este Intérprete, a Revolução Burguesa é uma relação dialética entre o sempre e o nunca do capitalismo no Brasil, que se constituiu como um processo dotado de feições próprias, com suas particularidades e especificidades históricas e sociais, cuja finalidade era o desenvolvimento capitalista e a dominação burguesa. Assim, como em Faoro, também em FF existe uma mistura entre economia e política, diferente do marxismo tradicional, já que para ambos os autores a estrutura econômica não se movimenta por si só. O capitalismo não é visto como uma coisa natural, cujas classes e modo de funcionamento apareceram espontaneamente. Ao contrário. O aparecimento de uma classe social voltada ao risco e à acumulação é uma novidade histórica de grandes proporções. Essa sociedade de classes passa a se constituir hierarquicamente, moldando as novas relações sociais por razões econômicas, mas não se livrando totalmente das antigas ideias de honra, poder e prestígio que animavam a nobreza e o Império.
Finalmente, a Revolução Burguesa ocorreu não apenas nos modos de produção, mas na própria mentalidade e motivação dos agentes sociais, cujos principais expoentes eram o Cafeicultor Capitalista e o Imigrante. O primeiro, por sua consciência de classe, importância e dinamismo econômico, que levou a consequente defesa dos seus interesses em âmbito nacional, com importantes consequências para a ordem econômica. O segundo, por já vir adestrado ao trabalho assalariado e dotado de mentalidade capitalista. Os móveis capitalistas do raciocínio econômico aos poucos solaparam o antigo regime e a velha ordem econômica. A busca do lucro imprimiu novo dinamismo à sociedade, passando aos poucos a ditar os florescentes valores sociais e econômicos, gradualmente burgueses em pensamentos, palavras e ações. É o progresso dentro da ordem– coincidentemente a lição positivista, que se verifica no caso da Revolução Burguesa brasileira. Processo de longo curso, iniciado ainda sob a dominação colonial, a Revolução Burguesa lentamente se consolida. De fato, a estrutura da terra, a sociedade agrário/exportadora, a escravidão, a centralização monárquica são características de permanência e que, gradativa, nem sempre totalmente, vão cedendo espaço aos valores e comportamentos burgueses ao longo de todo o século XIX, sendo consolidado somente no século XX. O processo que começa em 1808 com a abertura dos portos só se encerra no Estado Novo com a 'Queima das Bandeiras', quando a ordem e a dominação burguesa estão finalmente incontestes.  

terça-feira, 16 de novembro de 2010

1 Dia = 24h a menos

Diariamente, aproxima-se o homem 24 horas da morte. Mas, ao ver um homem, não sabemos exatamente quantos dias ele durará. Isto não impede, entretanto, às empresas de seguro tirarem, sobre a vida média do ser humano, conclusões bastante acertadas e, o que mais lhes importa, muito lucrativas. O Capital p. 239.

sábado, 13 de novembro de 2010

Perspectivas para economia brasileira

Pedaço da prova de Economia Brasileira sobre as perspectivas da economia brasileira.

[C]omo notam Stiglitz, Cimoli, Nelson e Dosi, os países frequentemente se deparam com trade-offs entre eficiência alocativa, inovativa e crescimento, de modo que o maior desafio a um país com imensos potenciais e relativamente distante da fronteira tecnológica deve ser saber equacionar esses três fatores, com justiça social (que implica estabilidade macroeconômica), na busca do seu desenvolvimento de longo prazo. De fato, os analistas estudados se dividem com relação às prioridades.

Carneiro, Coutinho e Barbosa consideram que o país deve acelerar o desenvolvimento dos setores intensivos em tecnologia, até mesmo para manter o superávit em conta corrente. O maior crescimento relativo dos emergentes implica no surgimento e crescimento de novos mercados, que permite o estabelecimento de novas relações comerciais e, assim, de novas oportunidades de comércio e de investimento.
Contudo, o crescimento da China deve ser visto com reservada cautela, uma vez que o baixo preço dos produtos chineses e a alta demanda de matérias-primas no mercado mundial, podem ter múltiplos efeitos indesejados. A ameaça de desindustrialização, tornando o Brasil um exportador de commodities e importador de bens manufaturados é uma realidade que pode se confirmar num futuro próximo se as tendências verificadas persistirem. Do mesmo modo, as novas descobertas de petróleo, as grandes jazidas minerais e a grande quantidade de terras férteis podem resultar na “maldição dos recursos naturais”, se o país se concentrar apenas naquelas mercadorias ou atividades em que atualmente possui vantagens comparativas. Ou seja, o simples crescimento do produto no curto prazo puxado pela exportação de bens primários pode penalizar severamente a inovação, de modo que a ponderação adequada de crescimento e inovação se faz necessária. Do mesmo modo, autores como Franco e Giambiagi ressaltam a importância de se manter políticas de estabilização, que trouxeram inegáveis benefícios ao conjunto da sociedade. Contudo, as políticas ortodoxas em parte tolhem os investimentos em inovação – dado o trade-off entre estabilização e inovação, recolando escolhas que devem ser resolvidas tanto na esfera econômica quanto na política. Em última análise, não existem soluções prontas especialmente para a questão sempre presente das fontes de financiamento para o crescimento. Os trade-offs citados impõem aos agentes, tanto públicos quanto privados, determinar quem e como se pagará para resolvê-los, a fim de moldar o Brasil das próximas décadas. Questão que somente será resolvida nos casos particulares, onde conta mais a prudência do policy maker do que a sabedoria do cientista.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Cenas explícitas de Brasil

Um pedaço dos Donos do Poder que trata das eleições...

"O poder - a soberania nominalmente popular - tem donos, que não emanam da nação, da sociedade, da plebe ignara e pobre. O chefe não é um delegado, mas um gestor de negócios, gestor de negócios e não mandatário. O Estado, pela cooptação sempre que possível, pela violência se necessário, resiste a todos os assaltos, reduzido, nos seus conflitos, à conquista dos membros graduados de seu estado-maior. E o povo, palavra e não realidade dos contestatários, que quer ele? Oscila entre o parasitismo, a mobilização das passeatas sem participação política, e a nacionalização do poder, mais preocupado com os novos senhores, filhos do dinheiro e da subversão, do que com os comandantes do alto, paternais e, como bom príncipe, dispensários de justiça e proteção. A lei, retórica e elegante, não o interessa. A eleição, mesmo formalmente livre, lhe reserva a escolha entre opções que ele não formulou." p. 837.

O capitalismo de Estado e o estamento burocrático

No último capítulo de sua grande obra, Os Donos do Poder, Faoro retoma o seu argumento geral: características estabelecidas pela Revolução de Avis, no distante ano de 1370 no jovem reino de Portugal, determinaram a estrutura profunda da organização política e social brasileira, dando origem a uma forma peculiar de capitalismo, baseado na propriedade e na empresa estatal, o capitalismo político ou politicamente orientado. O poder político deste tipo específico de capitalismo, próprio da cultura luso-brasileira, se manifesta no estamento burocrático, estrutura de poder impermeável e autoritária de uma minoria, uma carapaça burocrática, alheia e indiferente ao resto da sociedade, que moldou decisivamente o Estado e a sociedade ao longo dos séculos. Inicialmente assentado no patrimonialismo pessoal (onde o rei era proprietário de todas as terras e das principais atividades de comércio), o capitalismo de estado passa a se assentar gradativamente sobre o patrimonialismo estatal, adotando o mercantilismo como técnica de operação da economia, onde o Estado se põe a frente dos interesses econômicos e dos negócios capitalistas.
Entre as principais características desse Estado mercador, Faoro destaca o apego à aventura e ao lucro fácil como valores que levaram, num primeiríssimo momento, à expansão, cuja aventura ultramarina está entre os fatos mais notáveis. O rei era o principal investidor e o principal beneficiário dessas aventuras, de caráter nitidamente mercantilista. O constante comércio e contato com o exterior, características peculiares dessa forma de Estado, criou uma sociedade aberta aos estrangeiros e às novidades, embora não seja ela mesma criativa nem proativa. Essa sociedade, pré-capitalista (mercantilista e não medieval), se remodela com o advento do capitalismo industrial, se amolgando às mudanças tecnológicas e políticas trazidas de fora, sem perder seu caráter e estrutura. No novo Estado industrial, as atividades privadas, quando de vulto, são realizadas pelo Estado, tornando-se uma “extensão da burocracia oficial”, aproximando o campo estatal do campo econômico, onde a dinâmica do mercado se altera “em direção ao mercado administrativo, com demandas seletivas, de caráter militar e político.” P. 831. Faoro também destaca a tendência especulativa que move o estamento, fazendo com que a economia funcione aos saltos, afeiçoado ao ganho fácil e às soluções miraculosas, avesso ao trabalho.
O Estado mercador, capaz de comerciar, desafia as estruturas de análise teórica tradicionais, pois traz em seu bojo um quadro administrativo com interesses próprios, uma elite letrada e versada na burocracia, cujo expoente é o bacharel, que não se confunde nem se reduz às classes sociais marxistas. Tampouco esse tipo específico de Estado contempla a perspectiva liberal, uma vez que a iniciativa privada, onde o valor e a ambição do indivíduo determinam o êxito e a ascensão social, não se coaduna com a figura típica do estamento: o funcionário, dócil e servil aos desígnios de seus superiores. Segundo Faoro, a distinção social só estava aberta àqueles que, tendo seu currículo e carreira aprovados de cima para baixo, seguissem uma espécie de ética confuciana, do bom funcionário, nos assuntos do Estado.
Desse modo, o poder tem um reduzido círculo de donos, impermeáveis e indiferentes à nação e à sociedade, cuja organização burocrática resiste incólume a passagem do tempo. Adicionalmente, tudo provém e tudo se espera desse estado provedor, detentor das iniciativas e dos negócios. Nessa perspectiva, “o chefe não é um delegado, mas um gestor de negócios, gestor de negócios e não mandatário” p. 837. Esse chefe, seja quem for, se adapta às exigências do estamento, utilizando os instrumentos políticos derivados do controle do aparato estatal, seja por adesão, seja pela força, para dirigir o Estado, bem como os seus negócios, orientando politicamente o capitalismo.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Celso Furtado: teórico do subdesenvolvimento

A inserção do país no sistema internacional enquanto economia periférica, importadora de tecnologia dos países centrais, trazia, segundo Furtado, importantes consequências para a estrutura econômica, cujas distorções estruturais eram causa da relativa estagnação do Brasil no início da década de 60. Os argumentos de subconsumo defendidos por Furtado se constituiam num arcabouço teórico sólido, que justificavam de maneira coerente a crise a partir de uma explicação estruturalista, vendo em questões estruturais ligadas ao funcionamento da tecnologia importada e na cópia dos padrões de consumo dos países centrais razões para o baixo crescimento da economia.
Furtado parte da constatação de que o subdesenvolvimento é um processo que existe concomitantemente aos países desenvolvidos. Os países subdesenvolvidos copiam padrões de consumo do centro, o que leva a um funcionamento peculiar do papel da tecnologia, dependente. Num primeiro momento, apenas as elites dos países em desenvolvimento podem ter acesso aos produtos de consumo importados. Neste modelo, a concentração de renda é funcional para que as elites copiem os padrões de consumo dos países centrais. Num segundo momento, os produtos importados passam a ser produzidos localmente com tecnologias de ponta - há processo de substituição de importações. Essas novas tecnologias importadas, poupadoras de mão-de-obra e intensivas em capital, subutilizam o fator abundante, o fator trabalho, vis-à-vis o fator escasso, o capital. Desse modo, segundo o diagnóstico de Furtado, o Brasil se encontrava numa situação em que existia população, mas não mercado  consumidor que permitisse o desenvolvimento endógeno das forças produtivas.
O caráter altamente concentrado da renda e da propriedade fundiária fazia com que a renda disponível não permitisse os incrementos de escala ótimos para o desenvolvimento de produtos industriais. Como forma de resolver os problemas de subconsumo gerados pelas características de economia dependente e periférica, Furtado propunha reformas estruturais que aumentassem o tamanho do mercado interno, enxergando em medidas voltadas à redistribuição de renda, como reforma agrária, aumentos reais de salário e reforma educacional formas de solucionar a crise de subconsumo, já que essas provocariam no longo prazo alterações nos parâmetros estruturais da economia brasileira.

Caio Prado Jr e a revolução brasileira

Em Revolução Brasileira, Caio Prado Jr (CPJr) faz a primeira grande crítica, sistemática, ao marxismo oficial. Entre os principais pontos de discordância, destacam-se uma crítica geral à teoria marxista da revolução, pois essa se elaborou sob o signo de abstrações, isto é, em conceitos formulados a priori e sem consideração pelos fatos e pelas realidades históricas particulares, em especial, sem atentar aos condicionantes da evolução histórica do Brasil. Como conseqüência, a teoria do marxismo oficial não tem aplicabilidade nem teórica nem prática ao debate público nacional, fazendo com que as ações políticas sejam guiadas pelo sabor das circunstâncias e não por balizas teóricas consistentes.

No segundo capítulo, CPJr tece duas críticas metodológicas ao marxismo oficial.

A primeira considera um equívoco a concepção “etapista” da história brasileira, que, à semelhança do que ocorreu na Europa, deveria também ter acontecido aqui. Ou seja, do ponto de vista de sua evolução histórica, nesse ponto de vista, o Brasil começou com o regime de escravidão, passou pelo feudalismo e, finalmente, chegou ao regime capitalista. Segundo Nelson Werneck Sodré, o que marcaria o feudalismo brasileiro seriam as relações “pessoais” e não as relações contratuais. Dessa maneira, o PCB admitia que ainda havia resquícios de feudalismo no Brasil, identificando neles um dos principais desafios a serem superados pelo país.

CPJr critica esta visão “etapista” por defender que, desde o seu início, a história do Brasil foi capitalista. Como era a produção voltada ao mercado externo com o objetivo de auferir lucros, o objetivo da empresa colonial portuguesa no Brasil, CPJr considera que foi o sistema capitalista que forjou o sentido da história brasileira. Desse modo, é secundário discutir influências pretensamente feudais. A questão metodológica central é discutir o que define o sentido da colonização, procurando analisar a maneira como a dinâmica capitalista se deu no Brasil. Assim, instituições (em especial, a escravidão), que no marxismo oficial se opõem ao capitalismo, segundo a interpretação de CPJr são capitalistas, pois o seu objetivo último era a busca de lucros num sistema de produção altamente integrado com o comércio internacional – fatos completamente estranhos à compreensão tradicional do que seja o feudalismo.

O segundo ponto de discordância de CPJr relaciona-se à noção de imperialismo do marxismo oficial e a sua conseqüente proposição de luta contra ele. CPJr argumenta que essa interpretação coloca sob o mesmo conceito países muito diferentes, ignorando as imensas diferenças sociais, culturais e políticas existentes entre eles. No Brasil, diferente dos países asiáticos, antigos e populosos, não existia uma elite nacionalista que foi ameaçada e invadida por forças imperialistas. A burguesia que se forma no Brasil desde o seu início já nasce associada à burguesia internacional, de modo que ela não possui uma bandeira nacionalista.

A crítica à pretensa luta contra o imperialismo brasileiro, leva CPJr a se mostrar cético em relação à busca da autonomia do país pela via do processo de substituição de importações, e, assim, contra a concepção então em voga na CEPAL, antecipando as teorias da dependência que buscam nas características históricas da formação de nossas elites elementos importantes para explicar nosso subdesenvolvimento.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Conselho Astuto

Conselho de Alvaro Paez ao Mestre de Avis, no século XIV. Segundo Raymundo Faoro, uma das estratégias políticas peculiares da cultura luso-brasileira que atravessaram seis séculos:

"Senhor" - recomendava o astuto conselheiro - "fazei por esta guisa: Dai aquilo que vosso não é, e prometei o que não tendes, e perdoai a quem vos não errou, e ser-vos-á mui grande ajuda para tal negócio em que sois posto"

sábado, 9 de outubro de 2010

Interpretações do Brasil

O espaço da sala de aula em geral é muito desvalorizado. Professores repetem conteúdos há anos escutados por sonolentos e desinteressados estudantes. Felizmente este espaço pode ser muito mais interessante e formador, pois interpretar o Brasil também é fazer uma espécie de terapia, individual e coletiva.
Abaixo, um pedacinho do programa da disciplina Interpretações do Brasil, sob batuta do professor Pedro Fonseca:

II- OBJETIVOS

O curso visa discutir e comparar as diferentes visões e interpretações sobre a economia e a sociedade brasileiras, através da abordagem de autores que, por sua contribuição, marcaram e marcam o debate intelectual do país.

III- CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
Estudo das contribuições de: Caio Prado Jr, Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, Raymundo Faoro, Gilberto Freyre, Ignácio Rangel e Sérgio Buarque de Holanda.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

A história social do presente

Não sei se já foi escrita, mas o mote me parece ótimo: estudar a evolução social e histórica do ato de presentear. O que é bom ou ruim ganhar ou dar de presente variou e varia muito, com sutilezas muito curiosas. Em Caracas, por exemplo, dar presentes para os colegas de trabalho quando se é novo na empresa é uma obrigação.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Para além da antropofagia

O desenvolvimentismo, enquanto corrente de pensamento econômico, não é importado, regurgitado e cuspido. Não pertence ao longo cabedal de pensamentos que, oriudos do estrangeiro, por aqui se fixaram como cópias estranhas de suas fontes. Ao contrário, é uma contribuição original do pensamento brasileiro que não obedeceu à lógica de introjetar uma cultura alienígena. Mesmo que o liberalismo, o positivismo e outros ismos sejam influências importantes para sua formação, o raciocínio desenvolvimentista que guiou os rumos da economia brasileira entre 1930 e 1980 foi e permaneceu original, fornecendo exemplos avant la lettre de teorias econômicas posteriormente escritas. O exemplo clássico é o das políticas de sustentação da renda praticadas por Vargas no início da década de 30, que anteciparam, na prática, os principais resultados teóricos da teoria geral de Keynes, publicado em 1936.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Ainda resta a tarefa de escrever uma filosofia dos subúrbios.

 Chico Buarque tem insights ótimos em músicas como Subúrbios e Ode aos Ratos, e em CDs temáticos como O país da delicadeza perdida. Em sua literatura, Estorvo, me parece impressionante. Não é somente uma estética do bruto e do grosseiro, mas também, e, sobretudo, um retrato que nos é muito familiar. Não conheço outros brasilianistas que trabalhem esse tema. Agradeço dicas.

Subúrbios
Lá não tem brisa/Não tem verde-azuis/Não tem frescura nem atrevimento/Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto/É contra-senha, é cara a tapa ...

...Lá não tem moças douradas/Expostas, andam nus/Pelas quebradas teus exus/Não tem turistas/Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus/E está de costas

Ode aos Ratos

...Rato de rua/aborígene do lodo/Fuça gelada/Couraça de sabão
Quase risonho/Profanador de tumba/Sobrevivente/ À chacina e à lei do cão
Saqueador da metrópole/Tenaz roedor/De toda esperança/Estuporador da ilusão
Ó meu semelhante/Filho de Deus, meu irmão/

À propósito do título: fiquei muito impressionado com o relato do Flávio Williges num saudoso colóquio em Santa Cruz sobre o projeto que Heidegger tinha de escrever uma filosofia do operário. Desistiu quando descobriu que alguém já tinha feito. Mudou de tema e escreveu uma filosofia do camponês, aliás, um das obras-prima da filosofia do século XX: Ser e Tempo.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Produção temporária e desenvolvimento brasileiro

O Seminário de pesquisa do PPGE trouxe ótima palestra esta quarta-feira. O professor Marcelo Eduardo Alves da Silva apresentou um modelo econométrico macroeconômico de equilíbrio geral (muito técnico, como dá para ver), que traz resultados importantes para a compreensão da dinâmica de crescimento brasileira. Partindo dos pressupostos da teoria microeconômica tradicional, ou seja, considerando que a economia tende ao equilíbrio, que a trajetória de crescimento é dada pelo nível tecnológico e pela taxa demográfica e por choques exógenos, Silva apresenta um padrão de crescimento para a economia brasileira nos últimos 14 anos. Segundo suas conclusões, os choques que mais movimentam a economia brasileira são:
51% Produção temporária - mudanças de produtividade.
23% Choques de crescimento - mudanças institucionais.
13% Termos de intercâmbio - comércio internacional.
10% prêmio de risco - mercado financeiro internacional.
Esses dados mostram que a economia brasileira está mais próxima das 'pequenas economias abertas desenvolvidas' do que das 'economias emergentes', de modo que não estamos tão dependentes do comércio exterior, e, sobretudo, das finanças internacionais. Ou seja, esses dados fornecem bom material para explicar por que a crise de 2009 foi só uma marolinha do ponto de vista da teoria tradicional (o que, me parece, ser uma contribuição relevante para pensar o desenvolvimento brasileiro).
Outro aspecto interessante da análise é a importância dos aumentos de produtividade. Especulo que esses aumentos estão associados ao aumento da eletrificação rural (que permite o uso de máquinas, sobretudo na construção civil e agricultura), do uso de computadores e internet, em especial na administração pública (que deu saltos extraordinários de produtividade e eficiência na última década com o uso de sistemas integrados de pagamento, despesa etc) e nas ditas profissões liberais, incluindo a criação de novos setores industriais e de serviços associados ao uso da tecnologia. Outro item parece ser a universalização da telefonia móvel, tornando muito mais eficiente o setor de serviços. Esses choques tecnológicos associados a políticas governamentais como a política de compras da Petrobras e programas de distribuição de renda mostram um país que cresce com fundamentos macroecômicos sólidos segundo os padrões do mainstream.

terça-feira, 20 de julho de 2010

As éticas de Max Weber

Movido por questões burocráticas, revirei a papelada empoeirada procurando a súmula da disciplina As Éticas de Max Weber, ministrada pelo professor Nelson Boeira no distante ano de 1999. Não encontrei a súmula, apenas minhas anotações. Foi uma das disciplinas mais interessantes que assisti na pós-graduação, da qual praticamente não permaneceram registros. Seria realmente uma pena perdê-los por completo:

"A questão que me intriga nesta disciplina pode ser posta dentro dos moldes de Loewith: "O tema explícito das investigações de Weber é o capitalismo... A questão em torno do capitalismo, contida na questão do mundo contemporâneo, implica por seu turno uma determinada idéia daquilo que dentro deste mundo capitalista faz do homem um "homem", o que dentro dele constitui sua humanidade". Isto me levou a pensar quais os problemas específicos do capitalismo que devem ser levados em conta para sua investigação. Dois problemas centrais já estão expostos na teoria do liberalismo clássico: i) o que constitui a humanidade do homem; de fato, o capitalismo postula o homem como naturalmente egoísta, que age exclusivamente em nome de seus interesses egoístas; ii) as relações entre os homens ocorrem, primordialmente, através da mediação financeira. Isto acarreta um problema grave, que parece estar no centro da discussão sobre a sociedade e o Estado no final do século passado: como é possível a sociedade, posto que o homem é egoísta e as relações entre os homens basicamente mediadas pelo dinheiro? Seria crível que, com estas concepções de homem e de relações sociais, os homens se encontrassem em um "estado de natureza". Entretanto, este estado de guerra não acontece, sendo necessário fornecer uma justificação.


Weber também oferece uma explicação a esta questão, apesar de situá-la em moldes bem diferentes.

Gostaria de tentar articular esta questão em torno da qual esta disciplina se desenvolve: os processos de racionalização levam a diferentes esferas de vida, o que ainda não é nosso problema. O problema surge quando essas diferentes esferas de vida entram em choque entre si. Como estas diferentes esferas, especialmente a econômica e a religiosa, se articulam parece ser a chave explicativa para a possibilidade de nossa sociedade. De uma maneira mais ampla, como essas esferas de vida podem permanecer unidas apesar de suas incompatibilidades passou a ser a questão. A minha hipótese consiste no fato de que não me convencia que apenas "afinidades eletivas" entre as esfera econômica e religiosa fornecessem a explicação para a coesão das esferas da vida. Guenther Roth dá respaldo a estas especulações quando identifica a questão central de Economia e Sociedade como sendo o problema da dominação: "The Sociology of Domination is the core of Economy and Society. The major purpose of the work was the construction of a typology of associations, with most proeminence given to the types of domination and their relation to self-satisfaction through appropriation." (p. LXXXVIII)

O problema de buscar respostas à minha questão inicial consiste em que a sociologia da dominação forma, por assim dizer, a cúpula de um edifício conceitual, cujas as bases estão pressupostas para a explicação da unidade entre as diferentes esferas de vida. Parte do problema é, entretanto, resolvido: a unidade acontece pois existe obediência ao comando; esta obediência é, em geral, mistura do hábito, recurso e crença na legitimidade. O problema central é transferido já que a pergunta passa a ser: como as ordens se formam? A resposta à esta pergunta leva a um estudo mais aprofundado da obra de Weber, ao mesmo tempo em que mostram o seu interesse e a relevância para o estudo da sociedade contemporânea."

sábado, 17 de julho de 2010

O homem cordial: um ponto de partida para filosofia?

Um dos pontos altos do Diários de um filósofo no Brasil do professor Júlio Cabrera é a discussão da cordialidade como dimensão a ser resgatada e refletida do homem brasileiro. 

"Nenhuma das características mencionadas por Holanda e comentadas por Margutti exclui per se o trabalho filosófico, como se fosse possível afirmar: "Não, tu és individualista, não respeita regras, és demasiado pragmático e afetivo; portanto, não podes ser filósofo". Nenhuma das características da herança portuguesa parece excluir a possibilidade de fazer filosofia com elas. De fato, sempre somos levados por alguma influência, mas não parece mais natural e sadio enfrentar-nos com nossa herança cultural ibérica e lusitana, do que tentar trocar essa influência pela influência britânica ou alemã? Creio que filósofos brasileiros poderiam ser genuínos filósofos assumindo aquelas características, em lugar de ligá-las de maneira inerte e sem dialética com o estigma do "atraso". Margutti, pelo contrário, seguindo Holanda, parece ver no homem cordial o inimigo absoluto do filosofar, e a superação da cordialidade como o caminho certo para a modernização filosófica do Brasil. Eu não creio que seja esta a linha mais correta."

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Interesses supraindividuais

"Em seu famoso livro Conhecimento e Interesse (1968), [Habermas] assinalava que o conhecimento depende constantemente de determinados interesses. Sempre que existir um pensar sobre qualquer coisa, ele é feito dentro do contexto de uma sociedade competitiva. Ou seja, qualquer pessoa pensante sempre persegue também objetivos concretos, muitas vezes em interesse próprio. Assim, o esforço pelo conhecimento não é inocente. Ele está constantemente à procura de vantagens."
Em

Família Corleone

É um verdadeiro universo paralelo a mitologia que se construiu em torno da família italiana imaginada por Mario Puzo e filmada por Francis Ford Coppola imigrada para Nova Yorque.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

O espírito do capitalismo

As mais insignificantes ações que afetem o crédito de um homem devem ser consideradas. O som do teu martelo às 5 da manhã, ou às 8 da noite ouvidos por um credor o fará conceder-te seis meses a mais de crédito; ele procurará, porém, por seu dinheiro no dia seguinte se te vir em uma mesa de bilhar ou escutar a tua voz, em uma taverna, quando deverias estar no trabalho; exigi-lo-á de ti antes que possas dispor dele.

Benjamim Franklin apud Max Weber em A ética protestante e o espírito do capitalismo

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Aforismo?

Correio do Povo, 03 de dezembro de1927:
"É um conceito vulgar que se impõe como um aforismo. Todo o desenvolvimento econômico deve por objetivo tornar a riqueza abundante pelo trabalho e ensinar o homem a usar essa riqueza pela cultura."

terça-feira, 13 de julho de 2010

Além mar

Um pouco ufanista, mas bem informativo:

...Macau teve no Colégio de São Paulo de Macau a primeira universidade ocidental na Ásia, [...] a Escola Médico-Cirúrgica de Goa, criada em 1842, formou até à invasão indiana do Estado Português da Índia mais de 3000 médicos, [...] os portugueses estabeleceram em Macau a primeira tipografia de caracteres móveis em 1585, [...] na Etiópia funcionou a primeira prensa editorial desde 1515, [...] no Japão se imprimiram os primeiros livros em 1598, graças ao saber técnico dos nossos missionários, [...] Macau teve na Abelha na China o primeiro jornal do continente, [...] em Évora se ensinavam em finais do século XVI as grandes línguas do sub-continente indiano...
Mais no Combustões

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Iconoclastia

Iconoclastia ou iconoclasmo (do grego εικών, transl. eikon, "ícone", e κλαστειν, transl. klastein, "quebrar") é a doutrina que se opõe ao culto de ícones religiosos e outras obras, geralmente por motivos políticos ou religiosos. Por derivação, passou a ser usado o termo para todo aquele que ataca crenças estabelecidas ou instituições veneradas, ou que é contra qualquer tradição. Nessa concepção, o termo é muito usado para definir as vanguardas artísticas do início do século XX.
(...)
As escolas iconoclastas enfatizam a compreensão e a transformação interior. São exemplos delas: o sufismo na religião islâmica, o hassidismo e a cabala no judaísmo, o advaita ventana no hinduísmo, e o zen e o dzogchen, no budismo. Esses movimentos nunca se expandiram bastante por serem considerados suspeitos pelas hierarquias religiosas estabelecidas.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Iconoclastia

Tradeoffs entre eficiência alocativa, inovativa e de crescimento

Num mundo caracterizado pelas inovações técnicas e gerenciais (tanto contínuas, ie, ao longo de trajetórias tecnológicas bem definidas, quanto descontínuas, com mudança de paradigmas) as defasagens ou lideranças tecnológicas moldam sinais de lucratividade e alocação microeconômica de recursos. A multiplicidade de sinais de mercado faz com que os processos microeconômicos de ajuste tenham grande probabilidade de serem assimétricos. Essas realocações microeconômicas assimétricas, por sua vez, afetam o dinamismo econômico de longo prazo das economias, tanto em termos da taxa de crescimento compatível com equilíbrio do BP, quanto em termos da inovação tecnológica.

Cimoli, Dosi, Nelson e Stiglitz ao aprofundarem este ponto em Instituições e políticas moldando o desenvolvimento industrial: uma nota introdutória, distinguem entre as noções de:

(i) eficiência alocativa;

(ii) eficiência inovativa (ou “ schumpeteriana”); e,

(iii) eficiência de crescimento de padrões particulares de produção.

As escolhas possíveis entre essas três noções têm pouco a ver com problemas relacionados à informação incompleta, ainda que esses efeitos possam ser relevantes numa análise mais ampla; mas com oportunidades econômicas decorrentes de decisões passadas, bem como com a assimetria que caracteriza a tomada de decisão frente a um passado irrevogável e a um futuro incerto.

Argumentam os autores que mecanismos relativos à alocação de recursos afetam hoje e afetarão a direção e a velocidade futuras das inovações, de modo que o conjunto das decisões individuais ao longo do curso histórico acabam determinando quais competências técnicas serão acumuladas, com maior potencial inovativo e presumíveis economias de escala. O progresso técnico, portanto, evolui em permanente desequilíbrio, de maneira dinâmica, com decisões presentes influenciando os coeficientes técnicos futuros, bem como os setores ou indústrias mais lucrativas para o investimento privado.

Para países distantes da fronteira tecnológica, a alocação eficiente pode gerar efeitos negativos no longo prazo sobre as elasticidade de demanda das mercadorias produzidas (eficiência de crescimento) e do potencial inovativo (eficiência inovativa). As escolhas alocativas presentes influenciam (induzem) a direção e a velocidade da evolução futura das vantagens/desvantagens tecnológicas de um sistema econômico, de modo que o custo de catch up pode ser inviável num país subdesenvolvido, onde a escassez de recursos é aguda e permanente.

O trade-off entre eficiência alocativa e inovativa aparece claramente ao se analisar os países relativamente distantes da fronteira tecnológica. Os padrões de especialização de um país são determinados pelo tamanho relativo das defasagens ou dos avanços específicos dos setores dinâmicos da economia. Se a defasagem em todas as tecnologias mais dinâmicas (onde estão as melhores oportunidades) for maior, a eficiência alocativa estará em conflito direto com a eficiência inovativa. Desse modo, a probabilidade de tais trade-offs é proporcional à distância que separa cada país da fronteira tecnológica nas mais novas, dinâmicas e penetrantes tecnologias.

Um argumento semelhante explica como o trade-off entre eficiência alocativa e de crescimento se apresenta aos países, que podendo especializar-se “eficientemente” na produção de mercadorias com fraca demanda internacional, restringem seu potencial de crescimento àquele consistente com equilíbrio de BP.

Em condições de rendimentos não-decrescentes (e frequentemente crescentes), os mercados não conseguem relacionar as variáveis eficiência inovativa e de crescimento aos sinais de lucratividade relativa para as empresas: com isto, são necessárias políticas.

Desse modo, a superação dos trade-offs tratados acima constituem o domínio fundamental para as políticas de desenvolvimento econômico. A compreensão acurada dos sinas de mercado, com intervenções nos padrões dos sinais, regras das respostas alocativas e formas de organização institucional da “máquina econômica” são mais importantes em fases de transição entre regimes tecnológicos, que definem o novo conjunto de oportunidades e ameaças ao desenvolvimento.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Capacitações coletivas, cultura e Desenvolvimento como Liberdade de A. Sen.

Pollock, do Wall Street Journal, fez o seguinte comentário sobre o prêmio Nobel concedido a Amartya Sen: [seu trabalho] “tem feito pouco mais do que dar voz a visões estúpidas de esquerda que dominam o seu mundo”. Segundo Evans, essa reação frente a um trabalho elegante, logicamente bem argumentado e formalmente bem construído é histérica.

Utilizando a apresentação sintética da teoria de Sen feita em Desenvolvimento como Liberdade, Evans sugere que a reação defensiva do WSJ correta, pois a teoria lá exposta desafia a visão de mundo conservadora do WSJ muito mais do que as citações elogiosas de Sen a Adam Smith sugerem.

O desafio da abordagem das capacitações

O desenvolvimento deve ser avaliado em termos da expansão das capacitações, de modo que as pessoas possam viver as vidas que elas valorizam – e têm razão para valorizar. Esta é definição de liberdade de Sen. Educação, saúde e direitos das mulheres são eles mesmos constitutivos do desenvolvimento, fins em si mesmos.
Evans considera que a abordagem das capacitações contribui não somente para uma ampliação do conceito de desenvolvimento, mas também para uma efetiva utilização da escolha social, longamente estudada por Sen. Incentivados pela análise de Arrow sobre a impossibilidade das escolhas coletivas, os economistas de um modo geral pouco enfatizam a importância do debate político e da discussão no estabelecimento de metas para o desenvolvimento.
Sen ataca essa relutância com uma efetividade impressionante.
1) Usando suas habilidades em análise formal, ele argumenta que o aumento da quantidade de informações levadas em consideração na tomada de decisão recolocam em cena a questão da escolha social.
2) Tendo mostrado formalmente que a escolha social é possível, Sen sugere que ela é necessária, utilizando dois sub-argumentos:
a. renda real é uma métrica analiticamente inadequada para comparações de bem-estar;
b. os esforços utilitaristas para reduzir o bem-estar a algo homogêneo é igualmente inadequado. É preciso explicitar os diferentes pesos dos diferentes fatores que compõem a qualidade de vida (ou bem-estar) e então debater publicamente os pesos atribuídos às preferências que devem nortear o desenvolvimento.
A consequência da argumentação de Sen é dupla:
1) Desenvolvimento como expansão das capacitações da cidadania implica em um conjunto muito diferente de decisões alocativas e estratégias de crescimento.
2) Ela implica que escolhas sobre essas alocações e estratégias devem ser democráticas, não num sentido fino de eleições e mudança de representantes periodicamente, mas num sentido robusto, à medida que a democracia é uma coisa boa, um fim do desenvolvimento, por si só, que aprimora constantemente a cidadania ao permitir que os cidadãos participem das decisões públicas e estabeleçam, no fim das contas, os fins almejados do desenvolvimento.
É o segundo aspecto do pensamento de Sen que incomoda o comentarista do WSJ segundo Evans.
Contudo, prossegue Evans, a análise de Sen foca o indíviduo e não explora as implicações mais gerais que sua concepção de desenvolvimento enseja. Capacitações individuais dependem de capacitações coletivas. Do mesmo modo, ele não explora o fato de que a concentração do poder econômico sobre os meios de produção e difusão culturais podem e, de fato, comprometem a capacidade de decidir as coisas que as pessoas têm razão em valorizar.
Evans avança em sua análise argumentando que a coletividade organizada – partidos políticos, associações, conselhos distritais, grupos de mulheres, ONGs etc – são fundamentais para que os indivíduos possam escolher o que eles têm razão para valorizar. Essas organizações fornecem a arena para formular valores e preferências, bem como constroem os meios para alcançá-los, mesmo em face de poderosa oposição.
O que Sen não destaca no caso do Estado de Kerala, segundo Evans, é que o clima de discussão e debate que ele elogia está construído sobre a base de organizações sociais bem organizadas e mobilizadas, começando pelos partidos políticos e uniões comerciais. Estes veículos organizacionais fazem o processo deliberativo celebrado por Sen possível. Apoiar o desenvolvimento de ações coletivas é, desse modo, central para a expansão da liberdade.
Sugestões de Evans:
Políticas públicas que explicitamente reconheçam a importância da ação coletiva, facilitando sua ação por meio de organizações civis, bem como removendo obstáculos ao seu bom funcionamento, são essenciais para o desenvolvimento como liberdade.
Por outro lado, também falta uma análise, a partir dos pressupostos da abordagem das capacitações, de quais os processos de mercado podem se constituir como impedimento aos processos deliberativos de formação de preferências, que é essencial para a expansão das capacitações.
Evans considera que Sen não explora as maneiras pelas quais as influências de “condicionamento mental” podem sistematicamente refletir os interesses dos grandes grupos econômicos e do poder político. Muito embora Sen reconheça que “o sol não se ponha no império da cola-cola ou da MTV”, ele não explora as implicações desses impérios sobre as habilidades das pessoas escolherem a vida que elas têm razão para valorizar.
Explicitar as contradições entre desenvolvimento como liberdade e um crescente aumento da concentração de poder sobre a produção cultural, informação, e, portanto, das preferências traz novamente a questão das capacitações coletivas.
Sugestão de Evans: A maneira mais óbvia de estabelecer um contraponto à não-liberdade dos impérios da Coca-cola e da MTV é promover uma vibrante vida associativa que capacita os menos privilegiados a desenvolver suas próprias e distintivas preferências, bem como estabelecer prioridades baseadas sobre posições econômicas partilhadas e circunstâncias de vida, desenvolvendo estratégias para perseguir essas preferências de maneira autônoma.
Desse modo, Evans considera as contribuições de Sen preciosas, mas a análise do desenvolvimento como liberdade deve ir além dos argumentos que ele apresentou. Deve ser consequente e explicitar melhor o papel que as capacitações coletivas desempenham para a realização da liberdade, levando em conta os condicionantes de mercado que interferem nos processos de formação de preferências coletivo.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Liberdade como expansão das capacitações

Os seres humanos são os agentes, beneficiários e juízes do progresso, mas ocorre também que eles são - direta ou indiretamente – as fontes primárias de toda produção. Esse duplo papel dos seres humanos fornece um amplo campo para confusão entre meios e fins no planejamento e na formulação de políticas, enfatizando a produção e a prosperidade como essência do progresso e tratando as pessoas como os meios através dos quais esses progressos produtivos se tornam possíveis.


Um país pode ser muito rico em termos econômicos convencionais e mesmo assim ser muito pobre quanto à qualidade de vida humana, como, pex, África do Sul e Brasil.

Para evitar que o planejamento para o desenvolvimento e a formulação geral de políticas sejam perturbados pela confusão entre fins e meios, Sen propõe considerar o tópico de identificação de fins, em termos dos quais a efetividade dos meios pode ser sistematicamente confirmada. Este é o objetivo da análise conceitual da abordagem das capacitações.

A abordagem das capacitações

A vida humana é um conjunto de “fazeres e seres” – chamados de funcionamentos. A abordagem das capacitações relaciona a avaliação da qualidade de vida ao acesso à capacidade dos indivíduos funcionarem como seres humanos, isto é, em termos da sua realização de atividades cujos valores sejam legítimos e da capacidade de se realizar aquilo que legitimamente se deseja.

Funcionamentos elementares: tais como o de evitar a morbidade e a mortalidade precoce, estar adequadamente nutrido, poder realizar os movimentos usuais etc.

Funcionamentos complexos: tais como a obtenção de auto-respeito, tomar parte na vida da comunidade e aparecer em público sem inibição.

Funcionamentos são constitutivos de uma pessoa e uma avaliação do bem-estar de uma pessoa tem que tomar a forma de um monitoramento desses elementos constituintes. Um funcionamento é uma conquista de uma pessoa: o que ela procura fazer ou ser.

Já a capacitação de uma pessoa é uma noção derivada, refletindo as várias combinações de funcionamentos que uma pessoa tem ou que pode atingir. Assim: a capacitação reflete a liberdade de uma pessoa para escolher entre diferentes formas de vida.

Liberdade instrumental – o melhor meio, a melhor escolha, para se atingir um fim determinado: ênfase nos meios.

Liberdade substantiva - liberdade de se viver o tipo de vida que alguém gostaria de viver, isto é, conforme seus valores, podendo realizá-los pois possui os funcionamentos necessários para tanto. Enfatizar os valores que uma pessoa legitimamente busca realizar é enfatizar o fim do desenvolvimento, que é garantir a ela a liberdade de viver do jeito que acha melhor.

A distinção entre funcionamentos e capacitações coloca ênfase na importância da liberdade de escolha de um tipo de vida ou de outro. Esta é uma ênfase que distingue a abordagem das capacitações de qualquer avaliação que considera apenas conquistas realizadas. Contudo, a habilidade de exercer a liberdade pode estar, em grande medida, dependente da educação e da saúde que recebemos. Desse modo, uma avaliação esclarecida e inteligente tanto sobre o estilo de vida que somos obrigados a levar quanto aquele que seríamos capazes de escolher, através das mudanças sociais, é o que propõe a abordagem de Sen do desenvolvimento.

Críticas às demais correntes de pensamento:

Utilitarismo
A noção utilitária de valor considera, em última análise, como utilidade individual uma determinada condição mental, como satisfação, alegria e atendimento de desejos. Ela é enganosa, pois pode falhar na indicação das privações reais de uma pessoa. Uma pessoa miserável pode não parecer em más condições pela métrica utilitarista, se ela estiver resignada com a vida que leva. Em situações de longa privação, as vítimas não sentem o sofrimento todo tempo, fazendo grandes esforços para encontrar prazer em pequenas coisas, para reduzir seus desejos a proporções modestas, “realistas”. A privação individual, dessa forma, pode não aparecer nas medidas de prazer, atendimento de desejos, etc. mesmo quando a pessoa está impossibilitada de ser adequadamente nutrida, vestida, educada etc.

Economia do desenvolvimento
Boa parte da vasta literatura do desenvolvimento utiliza uma base informacional utilitarista, o que limita os argumentos e a percepção acerca dos reais problemas do desenvolvimento. A abordagem das capacitações é superior às avaliações tradicionais pois a perspectiva da vida humana como combinação de vários funcionamentos e capacitações, e a análise da liberdade humana como aspecto central da vida fornecem uma base sólida para o exercício avaliativo.

Rawls
Este autor enfatiza a obtenção de “bens primários” por parte de diferentes pessoas, e sua teoria da justiça depende em grande medida no estabelecimento das comparações interpessoais. Este procedimento está baseado em bens, como “renda e bem-estar”, além das “liberdades básicas”, “poderes e prerrogativas de si” etc.

Segundo Sen, toda a lista de bens primários de Rawls ocupa-se mais dos meios do que dos fins, tratando de coisas que ajudam a alcançar o que queremos conquistar. Os bens primários são meios para se atingir a liberdade, enquanto as capacitações são expressão da própria liberdade. O problema com a avaliação de Rawls reside no fato de que, mesmo visando a objetivos iguais, a habilidade das pessoas para converter bens primários em funcionamentos é diferente, de tal forma que uma comparação interpessoal baseada na posse de bens primários não consegue refletir, geralmente, o ordenamento de suas reais liberdades na busca de quaisquer (variados) objetivos

domingo, 4 de julho de 2010

Conselho econômico

Chandragupta: Você me intriga. Existem muitas questões em minha cabeça.
Kautilya: Pergunte a eles, vossa Majestade. Existem muitas respostas na minha.

Kautilya foi conselheiro do Rei Chandragupta, primeiro grande Imperador da Índia, durante o século IV A.C. Seus conselhos aparecem no livro Arthashastra (literalmente, Da Prosperidade), talvez o primeiro tratado de Economia escrito, e, em alguns momentos, comparável ao Príncipe de Maquiavel.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Os Sertões

O livro de Euclides da Cunha é um clássico: preciso, honesto, crítico. Coloquei um pedacinho dos Sertões, um dos trechos que considero mais dramático, como questão de prova. Era para responder: 'qual era a sensação psicológica que a descrição de Conselheiro provocava'. Tive as mais variadas respostas, deixe a sua.

Reproduzo abaixo o texto, e adiante o contexto para entendê-lo.

Contexto: Os Sertões é dividido em três partes: a terra, o homem, a luta, onde Euclides analisa os elementos necessários para seu argumento geral, a saber, que foi o homem inserido no sertão nordestino (o meio) que gerou o dramático episódio da criação e destruição de Canudos, uma vila ergida no meio do lugar mais inóspito do sertão, que viu sua população aumentar durante a guerra (em geral, acontece o contrário, especialmente quando a época da seca avança), levando temor ao recém estabelecido exército da república brasileira. O trecho abaixo aparece no final da segunda parte,onde o homem do sertão nos é apresentado em sua figura mais poderosa, Antonio Conselheiro, líder espiritual de um movimento surpreendente e absolutamente bizarro.
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Como quer que fosse, porém, o certo é que em 1876 a repressão legal o atingiu quando já se ultimara a evolução do seu espírito, imerso de todo no sonho de onde não mais despertaria. O asceta despontava, inteiriço, da rudeza disciplinar de quinze anos de penitência. Requintara nessa aprendizagem de martírios, que tanto preconizam os velhos luminares da Igreja. Vinha do tirocínio brutal da fome, da sede, das fadigas, das angústias recalcadas e das misérias fundas. Não tinha dores desconhecidas. A epiderme seca rugava-se-lhe como uma couraça amolgada e rota sobre a carne morta. Anestesiara-a com a própria dor; macerara-a e sarjara-a de cilícios mais duros com buréis de esparto; trouxera-a, de rojo, pelas pedras dos caminhos; esturrara-a nos rescaldos das secas; inteiriçara-a nos relentos frios; adormecera-a, em transitórios repousos, nos leitos dilacerantes das caatingas...


Abeirara muitas vezes a morte nos jejuns prolongados, com requintes de ascetismo (...)

Para quem estava neste tirocínio de amarguras, aquela ordem de prisão era incidente mínimo. Recebeu-a indiferente. Proibiu aos fiéis que o defendessem. Entregou-se. Levaram-no à capital da Bahia. Ali, a sua fisionomia estranha: face morta, rígida como uma máscara, sem olhar e sem risos; pálpebras descidas dentro de órbitas profundas; e o seu entrajar singularíssimo; e o seu aspecto repugnante, de desterrado, dentro do camisolão comprido, feito uma mortalha preta; e os longos cabelos corredios e poentos caindo pelos ombros, emaranhando-se nos pêlos duros da barba descuidada, que descia até à cintura – aferroaram a curiosidade geral.

Com muitos méritos Os Sertões é considerado como uma das grandes obras da literatura universal.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Educação financeira

É incrível a ignorância do brasileiro médio com relação aos temas básicos de finanças e economia, tais como taxa de juros e custo de oportunidade. Sem contar na má-fé das instituições bancárias, mesmo as públicas, como o Banco do Brasil, que usam táticas de "marketing" nos caixas eletrônicos para emprestar, a juros extorsivos, - que fariam um agiota medieval corar - a pessoas que simplesmente não compreendem o custo de uma taxa de juros de 10% ao mês. Como só se aprende praticando, eis uma questão de prova da minha disciplina de Teoria Econômica para quem quiser fazer:


Você ganhou R$ 5.000,00 em uma quadra da Megasena!
1. Você pode gastar esse dinheiro agora ou pode aplicá-lo em uma poupança que rende 10% ao mês em juros simples. Calcule o custo de oportunidade de gastar esse dinheiro agora ou de poupá-lo por dez meses.
2.Imagine que você compre um computador com esse dinheiro e o utilize para fazer páginas de internet, com uma renda média de R$1000,00 mensais. Calcule o custo de oportunidade desse novo trabalho no período de um ano.
3.Calcule a diferença entre o custo de oportunidade de aplicar o prêmio na poupança e de fazer páginas da Internet. Quais outros fatores devem ser levados em conta ao se analisar esse tradeoff, que não necessariamente têm representação monetária e que, no entanto, têm implicações importantes na vida diária, como, p.ex., o tempo disponível para lazer? Explique.
4.Imagine agora que você comprou o seu computador em 13 prestações de R$799,00 e gastou o resto do dinheiro em baladas já no primeiro mês. Recalcule o custo de oportunidade de fazer páginas da internet levando em conta o juro embutido nas prestações.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Bons professores

É difícil definir um bom professor. Igualmente difícil é reconhecê-lo: pode ser careca e baixinho, pode ter sotaque, tique, cacoete, pode até ser gago. O que distingue o bom professor é capacidade de ensinar os alunos a se fazerem boas perguntas, a fazerem boas perguntas a outras pessoas, incentivando o debate e o raciocínio crítico, que se opõem à argumentação inadequada e aos discursos do poder. Bons professores, em suma, nos ajudam a pensar por conta própria e a debater abalizadamente nosso ponto de vista, criando condições para um debate mais qualificado.