sábado, 15 de outubro de 2011

Perelman e a teoria da argumentação

"Chaïm Perelman (1912-1984) nasceu em Varsóvia e transferiu-se para Bruxelas em 1925, naturalizando-se belga. Em seus primeiros passos intelectuais, Perelman recebeu uma sólida formação jurídica – escrevendo uma tese de doutoramento em direito, concluída em 1934 – e também em lógica formal – ocorrida no decorrer da década de 30 sob a influência do neopositivismo, defendendo uma tese de doutoramento em 1938, sobre o lógico alemão Gottlob Frege. Na década de 30, voltou à Polônia para estudar na famosa Escola Polonesa de Lógica, Matemática e Filosofia Positivista, onde foi aluno de Kotarbinski e Lukasiewicz. Com o advento da Segunda Guerra, toda essa formação logicista acabou se voltando contra ela mesma. Perelman, de origem judaica, não concordou em entregar o discurso sobre os valores ao arbítrio – que seria a consequência natural de uma posição neopositivista – e se interessou pela possibilidade de uma lógica dos juízos de valor, com o fim de subtrair este âmbito do domínio do irracional. A partir de 1948 e durante dez anos de pesquisas em conjunto com Lucie Olbrechts-Tyteca, estudiosa de ciências econômicas e sociais, Perelman abandonou seu estudo anterior de uma lógica específica dos juízos de valor – concluindo pela sua inexistência – e se voltou para as técnicas de argumentação e persuasão estudadas pelos antigos e, em particular, por Aristóteles. O resultado desta nova reflexão estão, sobretudo, em Rhétorique et Philosophie, de 1952, e no Traité de l’Argumentation, de 1958. Além do desenvolvimento da Nova Retórica, Perelman aprofundou seus estudos em algumas repercussões que a teoria da argumentação trazia para a filosofia, o direito, a moral e a justiça. Seus escritos possuem natureza fragmentária – com exceção do Traité de l’Argumentation – e estão espalhados em uma grande quantidade de artigos."  Fonte: http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/1843/ARBZ-7FXHZA/1/disserta__o_marco_antonio_sousa_alves.pdf

sábado, 22 de janeiro de 2011

O estamento e as situações de exceção: a guerra do Paraguai e a campanha de Canudos

Último e derradeiro texto de Interpretações: segue pedaço da introdução e a conclusão. 

Segundo Raymundo Faoro, a evolução política e econômica da sociedade brasileira devem ser compreendidas a partir da formação e do desenvolvimento de seu núcleo de poder fundamental: o estamento. Nem classe nem grupo econômico, o estamento se define por certo funcionamento peculiar da máquina estatal, de sua burocracia, onde originalmente o patrimônio e os recursos estatais se confundem com o do Rei, onde as principais regras que estruturam e orientam a sociedade são baseadas no direito administrativo e não no direito civil. O estamento político entrincheirado na burocracia estatal, à sombra fresca dos cargos e licenças públicas, atravessou incólume aos séculos e se constituiu como uma ordem política alheia e indiferente aos desígnios da nação. Uma carapaça administrativa que se amolda para sugar e oprimir os habitantes do território que ocupa, indiferente à sua sorte.

Neste trabalho se analisa dois momentos particulares da história brasileira em que o estamento burocrático com sede no Rio de Janeiro foi obrigado, contra a sua vontade, a se manifestar pela força das armas. Esses momentos foram a Guerra do Paraguai, maior movimentação de tropas da história da América do Sul, que envolveu milhares de combatentes dos países do Prata; e a Guerra de Canudos, ocorrida nos sertões da Bahia por motivos religiosos, mas também culturais e políticos. Solano López e Antônio Conselheiro foram figuras dotadas de grande poder carismático, conseguindo reunir em torno se si milhares de pessoas de regiões inóspitas e isoladas do resto do mundo em guerras de resistência e ferocidade incomuns, que resultaram no extermínio dos rebeldes e em milhares de baixas entre os combatentes e as populações civis. Tais líderes tiveram décadas para preparar seus planos protegidos pelas distâncias, e, nos casos das invasões do Mato Grosso e do Rio Grande do Sul na Guerra do Paraguai e de Canudos no interior da Bahia, pela indiferença, desinteresse e desatenção estatais seculares.6 Ambos se constituíram em desafio real para o Império e para a República pela proporção que tomaram.

Os sertões do Mato Grosso e da Bahia estavam formalmente unidos pela habilidosa diplomacia portuguesa e imperial, que garantia ao estamento insulado no Rio de Janeiro a posse formal de imensos e desabitados territórios, que, no período que esse trabalho abarca: 1860 – 1900 ainda não haviam sido completamente “descobertos”. Essa descoberta se faz pela força, pelo choque das baionetas e pelos tiros de canhão, com o exército impondo a paz pelo massacre dos inimigos.

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As duas situações de crise estudadas neste trabalho mostram notáveis regularidades entre si do ponto de vista do funcionamento da máquina estatal. A falta de planejamento, que permite à burocracia estatal antecipar problemas, caracteriza uma burocracia reativa, que age célere nos momentos de crise, mas é incapaz de manter ações de longo prazo. A resposta para a crise é rápida. Logo se acumulam recursos em larga escala: mantimentos e voluntários; mas a ação esbarra na falta de coordenação e planejamento, bem como o desconhecimento das regiões onde ocorrem os acontecimentos. O caráter amorfo do estamento se sobressai nessas circunstâncias. Somente quando a força das circunstâncias exige, o poder é dado em caráter excepcional, livre de todas as amarras, para restituir, valor supremo, a ordem.

O caráter intransigente desta Weltanschauung própria do estamento acontece devido à rigidez das normas e regulamentos, impermeável a alterações em sua ordem normativa e inútil para o suceder das coisas no mundo, premiando seus amantes e desdenhando todos os demais, ou seja, aqueles outros todos que também são cidadãos. A forma de intervenção em Canudos lembra em muito a recente intervenção do exército e da marinha no complexo de favelas do alemão, no Rio de Janeiro. A subida dos morros cariocas realizado pelos blindados da marinha, repete o padrão de intervenção das volantes – com a notória diferença do apoio da população no recente episódio – um padrão de intervenção do Estado ainda não superado, e que revela muito sobre o modo de relacionamento do Estado com a sociedade.

Essa forma de Estado felizmente está aos poucos sendo superada, com as populações de regiões marginalizadas do imenso território brasileiro sendo inseridas na civilização pela ação estatal e superando, finalmente, os três séculos de atraso do qual nos falava Euclydes. Mil burros mansos, garantindo a subsistência, são melhores do que mil heróis, ironizava o autor ao explicar quais eram os batalhões que verdadeiramente decidiram a guerra. Se parcela ínfima dos recursos bombardeados na forma de fogo e ferro quente tivessem sido distribuídos de forma mais inteligente pelo Estado, não seriam necessários tantos heróis. Mas para isso nossa história deveria ter sido outra. Um estado mais atuante sobre o seu território, espraiando os benefícios da civilização é o grande desafio que as aventuras dolorosas do Paraguai e de Canudos, entre outras, nos colocaram.