domingo, 12 de dezembro de 2010

Teoria da Dependência

A teoria da dependência elaborada por Falleto e FHC é vista como uma das principais contribuições teóricas, originais, da América Latina no vasto e maravilhoso mundo das ciências humanas. De fato, um ensaio muito bem escrito e argumentado, mostrando maturidade e vigor, dentro de uma tradição de pensamento gestado na e em volta da USP. Um pensamento aristocrático, de uma elite rica e cosmopolita que tenta seriamente se compreender. Entre suas empresas mais notáveis na busca da autoidentidade está a criação da USP. 
A linhagem direta do pensamento crítico uspiano é Caio Prado Jr, intelectual rico e de muitas qualidades, marxista crítico do marxismo oficial, que tenta mas não consegue entrar na USP. Florestan Fernandes, criterioso estudioso do método nas ciências sociais e orientador de FHC, cuja tese trata da escravidão no Brasil Meridional. O trabalho de FF comentado em post anterior dá a base sob a qual se assenta a teoria da dependência. Assim, antes de fechar a temporada de intérpretes com o libidinoso Gilberto Freyre na próxima semana, o rigoroso, aristocrático, original e controverso sociólogo FHC.
A propósito. Uma leitura atenta do sociólogo não apresenta contradições com a prática do político. Ele fez de maneira mais articulada e com mais consciência de classe o que nossas elites sempre fizeram: se associar.

A estagnação econômica do início dos anos sessenta constituiu um importante desafio teórico para a compreensão da dinâmica econômica e social da América - Latina. De fato, a crise econômica e seu desenrolar político e econômico foram surpreendentes, já que jogou por terra as principais interpretações vigentes, representadas pelos expoentes do pensamento da CEPAL e do Marxismo. Ambas as correntes haviam apresentado argumentos para demonstrar as difíceis relações entre o centro e a periferia do sistema capitalista, bem como para ressaltar que o subdesenvolvimento devia-se aos parâmetros estruturais e à dependência das economias da AL. FHC considera que ambas as correntes foram importantes marcos para a compreensão da especificidade das economias da região. Contudo, o diagnóstico cepalino não permitia entender por que houve o “Milagre”, crescimento com concentração de renda. Já o marxismo oficial – diferente de Caio Prado Jr - se restringia a denunciar o imperialismo no plano internacional, enquanto pretendia realizar uma aliança dos trabalhadores com os empresários nacionais, que se mostraram contrariamente ao esperado por eles, apoiadores do golpe. Ambas as correntes não percebiam, segundo diagnóstico de FHC e Falleto, os condicionantes políticos e econômicos internos aos países da periferia que desempenharam importante papel nos desdobramentos econômicos e políticos sofridos pela região, em especial o estreitamento dos laços de dependência devido ao avanço da industrialização da periferia associada aos capitais internacionais.

No primeiro momento da industrialização por substituição de importações, chamado pelos autores de modelo latino-americano de desenvolvimento para dentro, os países da região foram beneficiados pelos termos de intercâmbio favoráveis e pela limitada participação da população nos benefícios do desenvolvimento. Contudo, superada a fase fácil do PSI, a fase seguinte do desenvolvimento, que requeria a criação dos setores tecnológica e economicamente mais significativos da indústria de bens intermediários e de capital, não teve fôlego para avançar somente com as forças internas, endógenas, às economias e sociedades latino-americanas. Estas não haviam promovido as reformas político-estruturais profundas requeridas para avançar para fase mais complexa do PSI, onde maiores inversões de capital e de tecnologia são necessárias, preservando espaço e poder para largos e influentes setores arcaicos da sociedade. A antiga aliança desenvolvimentista é desfeita quando o PSI avança para setores econômicos mais complexos e intensivos em capital, com protestos dos setores industriais da primeira fase, chamados tradicionais, assim como pelos setores urbano-industriais, vítimas das tecnologias modernas, mais produtivas e poupadoras de mão-de-obra.
A partir desse ponto de inflexão, o cerne mesmo do sistema industrial na periferia aparecerá cindido em diferentes grupos e classes sociais: o proletariado e empresariado moderno, por um lado; e, por outro, os agentes econômicos tradicionais, elementos dinâmicos da fase anterior, como produtores e exportadores, bem como os excluídos da antiga fase que permanecem excluídos no novo arranjo de forças. Desse modo, a dinâmica social e política da nova fase do desenvolvimento das economias dependentes-associadas deve ser buscada no enfrentamento e nos ajustes entre os grupos, setores e classes que gradualmente redefinem seus papéis econômicos e sociais. P.161.
O marco dessa nova situação de desenvolvimento se encontra na integração ao mercado mundial das economias industrial-periféricas, cujas inserções têm um significado bastante distinto do da fase anterior, quando as economias latino-americanas ainda estavam sob o signo da exportação de bens primários. A vinculação das economias periféricas ao mercado internacional se dá nessa nova fase pela mudança de natureza do capital estrangeiro investido. Os investimentos estrangeiros passam a se dar de forma direta, com a instalação de unidades industriais na periferia, o que leva a uma noção diferente de dependência – agora sob o predomínio do capitalismo industrial monopolista. Esse tipo de desenvolvimento continua supondo heteronímia e desenvolvimento parcial e não autonomia e desenvolvimento pleno (como supunha a CEPAL), devido tanto ao fato dos centros de decisão de investimento se situarem no exterior, quanto ao fato de que esses investimentos visarem a atender aos mercados consumidores internos dos países periféricos, inserindo-os de maneira subordinada aos padrões de consumo e regras de negócio dos países centrais.
Nesses moldes, o desenvolvimento depende da capacidade do país importar bens de capital e matérias-prima complementares, bem como exige a internacionalização das condições do mercado interno, o que leva ao estabelecimento de preferências e padrões de consumo copiados dos países centrais. Essa revolução industrial originada “de fora”, mas consentida e desejada pelas classes e grupos dominantes “de dentro”, reorganiza administrativa, tecnológica e financeiramente a sociedade, reordenando as formas de controle social e político. Neste novo tipo de desenvolvimento, os mecanismos de controle da economia nacional escapam parcialmente ao controle interno na medida em que certas normas universais do funcionamento de um sistema produtivo moderno são exigidas, levando à padronização e ordenamento supranacional dos mercados. Assim, à medida que o ciclo de realização do capital, por natureza concentrador, se completa no âmbito interno em função da grande unidade produtiva, de tecnologia invariavelmente estrangeira, o sistema econômico – as leis de mercado – impõe à sociedade suas normas naturais, restringindo o âmbito e a eficácia autônoma dos grupos locais.
Nessa forma específica de desenvolvimento, os mecanismos de mercado são estimulados especialmente pelas relações entre os produtores – entre as próprias empresas – que se constituem como os consumidores mais significativos para a expansão econômica. Assim, para aumentar a capacidade de acumulação desses “produtores-consumidores” é necessário conter as demandas reivindicatórias das massas, bem como intensificar a exclusão social das camadas sociais importantes do período anterior que não puderam encontrar espaço nesse novo arranjo social. Desse modo, há uma dupla subordinação, desenvolvimento restringido e dependente. Seja pela supremacia do setor monopolista, moderno, intensivo em tecnologia e capital, pertencente às burguesias internacionalizadas, seja pelas novas formas de dominação política que ele instaura. O setor industrial moderno e o setor agro-exportador industrializado podem manter-se e expandir-se em um ritmo relativamente lento, sem que sua presença alcance modernizar o conjunto da sociedade. Dessa forma, sob um capitalismo dependente, a industrialização permitiu o desenvolvimento de sociedades periféricas industrializadas, mas subordinadas ao capital e as preferências estrangeiras, copiadas avidamente pelo setor diretamente beneficiado desse estado-das-artes. O resultado foi um modelo capitalista baseado na exclusão social e na restrição ao desenvolvimento das forças autônomas do país. 

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