terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Bem-vindo verão!!!


Essa música é incrível. Para celebrar:

"... Meio no sufoco, meio coca-cola, meio mal da bola, meio inconsequente
Como se no meio da cidade, na velocidade, na saudade, na maldade a toa
Nessa claridade tanta coisa boa se desmancha feito um picolé no sol
E feito um picolé no sol, eu quero estar agora, pra esquecer do mal que ta fora..."

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O direito do mais forte ou o direito universal?

É justo Julian Assange ser preso segundo a filosofia de Hobbes? E a de Kant? Leia o texto abaixo retirado do blog O Biscoito Fino e a Massa para obter elementos para sua resposta.

Wikileaks: O 1º preso político global da internet e a Intifada eletrônica

Julian Assange é o primeiro geek caçado globalmente: pela superpotência militar, por seus estados satélite e pelas principais polícias do mundo. É um australiano cuja atividade na internet catupultou-o de volta à vida real com outra cidadania, a de uma espécie de palestino sem passaporte ou entrada em nenhum lugar. Ele não é o primeiro a ser caçado pelo poder por suas atividades na rede, mas é o primeiro a sofrê-lo de um jeito tentacular, planetário e inescapável. Enquanto que os blogueiros censurados do Irã seriam recebidos como heróis nos EUA para o inevitável espetáculo de propaganda, Assange teve todos os seus direitos mais elementares suspensos globalmente, de tal forma que tornou-se o sujeito mundialmente inospedável, o primeiro, salvo engano, a experimentar essa condição só por ter feito algo na internet. Acrescenta mais ironia, note-se, o fato de que ele fez o mais simples que se pode fazer na rede: publicar arquivos .txt, palavras, puro texto, telegramas que ele não obteve, lembremos, de forma ilegal.

Assange é o criminoso sem crime. Ao longo dos dias que antecederam sua entrega à polícia britânica, os aparatos estatal-político-militar-jurídico dos EUA e estados satélite batiam cabeças, procurando algo de que Assange pudesse ser acusado. Se os telegramas foram vazados por outrem, se tudo o que faz o Wikileaks é publicar, se está garantido o sigilo da fonte e se os documentos são de evidente interesse público, a única punição passível, por traição, espionagem ou coisa mais leve que fosse, caberia exclusivamente a quem vazou. O Wikileaks só publica. Ele se apropria do que a digitalização torna possível, a reprodutibilidade infinita dos arquivos, e do que a internet torna possível, a circulação global da hospedagem dessas reproduções. Atuando de forma estritamente legal, ele testa o limite da liberdade de expressão da democracia moderna com a publicação de segredos desconfortáveis para o poder. Nesse teste, os EUA (Departamento de Estado, Justiça, Democratas, Republicanos, grande mídia, senso comum) deixaram claro: não se aplica a Primeira Emenda, liberdade de expressão ou coisa que o valha. Uniram-se todos, como em 2003 contra as “armas de destruição em massa” do Iraque. Foi cerco e caça geral a Assange, implacável.
Fonte da imagem: http://peregrinacultural.wordpress.com

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A vida colonial vista da Casa Grande

Gilberto Freire tem a interpretação do Brasil mais conhecida no exterior. Fez escola os mitos que criou: a democracia racial, o coração generoso do senhor, o local privilegiado do escravo na vida colonial. Na minha opinião, a principal influência de Freire é Marcel Proust. A história não tem sentido. É um arrazoado de sentimentos gestados na volta da Casa Grande. A casa é o local acolhedor, seguro, protegido e sempre justo. Não existem problemas de classe. Afinal, quem fala é a classe dominante, da sombra fresca do alpendre, deitada em suas redes, vendo os negros trabalharem enquanto se empanturram de doces das negras quituteiras. Evidentemente, essas críticas não são suficientes para desmerecer o trabalho de GF. Mas é difícil engolir que o lugar mais bem nutrido da colônia fosse a senzala. Que o latinfúndio canavieiro fosse uma consequência lógica e inevitável da colonização. Que a escrava sedutora fosse a responsável pela libido elevada do senhor. Juntamente com as posições políticas assumidas posteriormente, como apoiar o golpe de 64, colocam GF, sem injustiças, à direita do espectro político. Enfim, GF é o intérprete que mostra o Brasil que as nossas elites gostam de enxergar: generosa nas mesquinhas condições do meio que ela mesma criou; gentilmente racista, reconhecendo as virtudes das raças à serviço do senhor; inteligente no comércio exterior, cosmopolita em seus berços holandeses e frutas e carnes podres importadas de Lisboa... Seja como for, GF fornece uma interpretação, embora pouco consistente, original e poderosa, do começo da colonização brasileira que deve ser lida.  Segue o último resumo da temporada de intérpretes, que formou ao longo das postagens feitas nesse blog  um mozaico quase bizantino do que é, afinal de contas, o ser brasileiro. 

A empresa de ocupar e colonizar o vasto território brasileiro levada a cabo pelos portugueses, sob as mais rudes condições, foi inegavelmente bem sucedida. O êxito deve ser avaliado, sobretudo, pelas conseqüências geradas. Em especial a unidade territorial, lingüística e cultural de um país de dimensões continentais. Se levarmos em conta o diminuto tamanho da população portuguesa, seu pequeno território e as dificuldades inerentes ao processo de colonização — que leva ao processo de despovoamento da metrópole - o êxito português torna-se ainda maior. Nessa empresa, sustenta Freyre, o português não esteve sozinho. Acompanhado pelo indígena nativo e pelo negro importado para o trabalho, o português, libidinoso e sem orgulho de raça, liderou o intenso processo de miscigenação que resultou na efetiva ocupação do território. A raça mestiça, contendo no sangue o índio, o negro e o europeu, estava em melhores condições de enfrentar as adversidades do clima e da precariedade de condições. Tudo faltava. Em parte devido às adversidades do clima, do solo. Preponderantemente devido às características peculiares da colonização portuguesa: seja pelas suas motivações econômicas, o lucro fácil, a empresa cosmopolita, seja pela Weltanschaung do português. Esse argumento é ilustrado por Freye ao analisar os hábitos alimentares da Colônia.
A comida era escassa e, em geral, de péssima qualidade. Mesmo na Casa Grande, os habitantes da Colônia eram muito mal nutridos. Em minucioso levantamento, Freyre identifica na inadequada alimentação um dos principais obstáculos para a colonização. Destaca o autor duas causas preponderantes: o meio — com solos pouco adequados para as culturas européias tradicionais; e, o homem, liderado a ferro e fogo pelo português, cujo propósito maior da aventura era a busca do lucro fácil, com aversão ao trabalho manual. Com a introdução da cana de açúcar, o quadro não se altera. Agora, em função da monocultura, todos os braços estão ocupados com o cultivo da cana, todas as atenções se voltam para a Europa, de onde se importa carne e frutas, de modo que não resta espaço para outras culturas ou para a criação de gado, tido como ameaça aos canaviais.

Nesse exemplo, Freyre analisa a influência dos dois fatores: o clima e o homem. Ainda que não exclua a importância do meio, uma vez que o solo alcalino impede o cultivo das fontes tradicionais de alimentação européia e que as variedades nativas eram poucas e insatisfatórias para quaisquer padrões civilizacionais, o autor considera como preponderantes para a questão alimentar a raça. Em especial, o pouco interesse português e, em breve, senhorial pela policultura. Curiosamente, repara Freyre, são os portugueses os inventores da plantação em larga escala para exportação. Verdadeiros universos paralelos, a grande lavoura canavieira tornava imprestável o solo para as demais culturas. As distâncias que impunha entre as comunidades faziam com que o gado chegasse magro, sem leite, e o prato permanecesse vazio. Esses fatores são culturais e, portanto, podiam ter sido contornados inteligentemente pelo europeu que se instalava e se misturava com as gentes da terra.
Finalmente, a relativa homogeneidade geográfica, com a inexistência de obstáculos naturais intransponíveis como grandes cadeias de montanhas ou desertos, fez com que a população se distribuísse com hábitos semelhantes pelo território. Isso resultaria numa vantagem, se o propósito do colônia fosse o povoamento. Como não era, a escassez era generalizada, O indígena, com seus hábitos rudimentares, baseado na caça e na pesca, na coivada e no cultivo da mandioca e tabaco não fornecia base material suficiente para a nova civilização que surgia, em grande parte estimulada pelos férteis ventres das índias. Outro fator cultural preponderante, além do trabalho do escravo negro, que vincou o que há de próprio e de mais fundamental na formação original do país.

Fonte das gravuras: scanneadas do meu exemplar, da 3ª ed. de 1938. Desconheço se foram mantidas nas versões mais atuais.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Teoria da Dependência

A teoria da dependência elaborada por Falleto e FHC é vista como uma das principais contribuições teóricas, originais, da América Latina no vasto e maravilhoso mundo das ciências humanas. De fato, um ensaio muito bem escrito e argumentado, mostrando maturidade e vigor, dentro de uma tradição de pensamento gestado na e em volta da USP. Um pensamento aristocrático, de uma elite rica e cosmopolita que tenta seriamente se compreender. Entre suas empresas mais notáveis na busca da autoidentidade está a criação da USP. 
A linhagem direta do pensamento crítico uspiano é Caio Prado Jr, intelectual rico e de muitas qualidades, marxista crítico do marxismo oficial, que tenta mas não consegue entrar na USP. Florestan Fernandes, criterioso estudioso do método nas ciências sociais e orientador de FHC, cuja tese trata da escravidão no Brasil Meridional. O trabalho de FF comentado em post anterior dá a base sob a qual se assenta a teoria da dependência. Assim, antes de fechar a temporada de intérpretes com o libidinoso Gilberto Freyre na próxima semana, o rigoroso, aristocrático, original e controverso sociólogo FHC.
A propósito. Uma leitura atenta do sociólogo não apresenta contradições com a prática do político. Ele fez de maneira mais articulada e com mais consciência de classe o que nossas elites sempre fizeram: se associar.

A estagnação econômica do início dos anos sessenta constituiu um importante desafio teórico para a compreensão da dinâmica econômica e social da América - Latina. De fato, a crise econômica e seu desenrolar político e econômico foram surpreendentes, já que jogou por terra as principais interpretações vigentes, representadas pelos expoentes do pensamento da CEPAL e do Marxismo. Ambas as correntes haviam apresentado argumentos para demonstrar as difíceis relações entre o centro e a periferia do sistema capitalista, bem como para ressaltar que o subdesenvolvimento devia-se aos parâmetros estruturais e à dependência das economias da AL. FHC considera que ambas as correntes foram importantes marcos para a compreensão da especificidade das economias da região. Contudo, o diagnóstico cepalino não permitia entender por que houve o “Milagre”, crescimento com concentração de renda. Já o marxismo oficial – diferente de Caio Prado Jr - se restringia a denunciar o imperialismo no plano internacional, enquanto pretendia realizar uma aliança dos trabalhadores com os empresários nacionais, que se mostraram contrariamente ao esperado por eles, apoiadores do golpe. Ambas as correntes não percebiam, segundo diagnóstico de FHC e Falleto, os condicionantes políticos e econômicos internos aos países da periferia que desempenharam importante papel nos desdobramentos econômicos e políticos sofridos pela região, em especial o estreitamento dos laços de dependência devido ao avanço da industrialização da periferia associada aos capitais internacionais.

No primeiro momento da industrialização por substituição de importações, chamado pelos autores de modelo latino-americano de desenvolvimento para dentro, os países da região foram beneficiados pelos termos de intercâmbio favoráveis e pela limitada participação da população nos benefícios do desenvolvimento. Contudo, superada a fase fácil do PSI, a fase seguinte do desenvolvimento, que requeria a criação dos setores tecnológica e economicamente mais significativos da indústria de bens intermediários e de capital, não teve fôlego para avançar somente com as forças internas, endógenas, às economias e sociedades latino-americanas. Estas não haviam promovido as reformas político-estruturais profundas requeridas para avançar para fase mais complexa do PSI, onde maiores inversões de capital e de tecnologia são necessárias, preservando espaço e poder para largos e influentes setores arcaicos da sociedade. A antiga aliança desenvolvimentista é desfeita quando o PSI avança para setores econômicos mais complexos e intensivos em capital, com protestos dos setores industriais da primeira fase, chamados tradicionais, assim como pelos setores urbano-industriais, vítimas das tecnologias modernas, mais produtivas e poupadoras de mão-de-obra.
A partir desse ponto de inflexão, o cerne mesmo do sistema industrial na periferia aparecerá cindido em diferentes grupos e classes sociais: o proletariado e empresariado moderno, por um lado; e, por outro, os agentes econômicos tradicionais, elementos dinâmicos da fase anterior, como produtores e exportadores, bem como os excluídos da antiga fase que permanecem excluídos no novo arranjo de forças. Desse modo, a dinâmica social e política da nova fase do desenvolvimento das economias dependentes-associadas deve ser buscada no enfrentamento e nos ajustes entre os grupos, setores e classes que gradualmente redefinem seus papéis econômicos e sociais. P.161.
O marco dessa nova situação de desenvolvimento se encontra na integração ao mercado mundial das economias industrial-periféricas, cujas inserções têm um significado bastante distinto do da fase anterior, quando as economias latino-americanas ainda estavam sob o signo da exportação de bens primários. A vinculação das economias periféricas ao mercado internacional se dá nessa nova fase pela mudança de natureza do capital estrangeiro investido. Os investimentos estrangeiros passam a se dar de forma direta, com a instalação de unidades industriais na periferia, o que leva a uma noção diferente de dependência – agora sob o predomínio do capitalismo industrial monopolista. Esse tipo de desenvolvimento continua supondo heteronímia e desenvolvimento parcial e não autonomia e desenvolvimento pleno (como supunha a CEPAL), devido tanto ao fato dos centros de decisão de investimento se situarem no exterior, quanto ao fato de que esses investimentos visarem a atender aos mercados consumidores internos dos países periféricos, inserindo-os de maneira subordinada aos padrões de consumo e regras de negócio dos países centrais.
Nesses moldes, o desenvolvimento depende da capacidade do país importar bens de capital e matérias-prima complementares, bem como exige a internacionalização das condições do mercado interno, o que leva ao estabelecimento de preferências e padrões de consumo copiados dos países centrais. Essa revolução industrial originada “de fora”, mas consentida e desejada pelas classes e grupos dominantes “de dentro”, reorganiza administrativa, tecnológica e financeiramente a sociedade, reordenando as formas de controle social e político. Neste novo tipo de desenvolvimento, os mecanismos de controle da economia nacional escapam parcialmente ao controle interno na medida em que certas normas universais do funcionamento de um sistema produtivo moderno são exigidas, levando à padronização e ordenamento supranacional dos mercados. Assim, à medida que o ciclo de realização do capital, por natureza concentrador, se completa no âmbito interno em função da grande unidade produtiva, de tecnologia invariavelmente estrangeira, o sistema econômico – as leis de mercado – impõe à sociedade suas normas naturais, restringindo o âmbito e a eficácia autônoma dos grupos locais.
Nessa forma específica de desenvolvimento, os mecanismos de mercado são estimulados especialmente pelas relações entre os produtores – entre as próprias empresas – que se constituem como os consumidores mais significativos para a expansão econômica. Assim, para aumentar a capacidade de acumulação desses “produtores-consumidores” é necessário conter as demandas reivindicatórias das massas, bem como intensificar a exclusão social das camadas sociais importantes do período anterior que não puderam encontrar espaço nesse novo arranjo social. Desse modo, há uma dupla subordinação, desenvolvimento restringido e dependente. Seja pela supremacia do setor monopolista, moderno, intensivo em tecnologia e capital, pertencente às burguesias internacionalizadas, seja pelas novas formas de dominação política que ele instaura. O setor industrial moderno e o setor agro-exportador industrializado podem manter-se e expandir-se em um ritmo relativamente lento, sem que sua presença alcance modernizar o conjunto da sociedade. Dessa forma, sob um capitalismo dependente, a industrialização permitiu o desenvolvimento de sociedades periféricas industrializadas, mas subordinadas ao capital e as preferências estrangeiras, copiadas avidamente pelo setor diretamente beneficiado desse estado-das-artes. O resultado foi um modelo capitalista baseado na exclusão social e na restrição ao desenvolvimento das forças autônomas do país.