quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Florestan Fernandes e a Revolução Burguesa no Brasil

Dialético - a palavra que melhor define o pensamento de FF. Filho de empregada doméstica, pesquisador incansável, criativo, líder, orientador de FHC (sim, aquele mesmo), legou vasta e admirável obra sobre diversos aspectos da sociedade brasileira, bastante desconhecido do grande público. O único professor que eu escutei falando (e bem) dele (não só aqui no Sul) foi o Pedro Fonseca. Claro, na USP devem se encher dele...
Quase terminando a estação dos intérpretes do Brasil, segue a Revolução Burguesa::


A ideia-chave para entender a Revolução Burguesa em FF é processo. Revolução como processo lento, gradual e de acomodação. “Revolução” é um conceito tradicionalmente visto como um ponto determinado no tempo onde ocorre uma mudança qualitativa. Mostrar que a revolução burguesa no Brasil foi um processo histórico é um ato de criatividade de FF. Todos os sistema capitalistas instituídos nos diferentes Estados-Nação têm que passar por um processo de construção histórica. No Brasil ele se deu de forma gradual, lenta, difícil, eivado de idas e vindas, conflituoso, se dando ao longo do tempo, assimilando e negando o legado do Império, bem como a inserção subordinada do país ao capitalismo internacional. A questão que se coloca para FF é determinar as continuidades e rupturas desse processo durante o período de constituição da ordem burguesa no país, marcada pelo gradualismo e pelo processo de acomodação, cuja inserção dependente no grande circuito do capital internacional deixou profundas marcas na constituição de nossa ordem burguesa.
Do ponto de vista metodológico, FF utiliza o método dialético, e analisa o concreto e específico do país frente ao conceito abstrato de "Revolução". Embora abarcadas pelo mesmo conceito, “Revolução Burguesa”, cada uma das revoluções burguesas presenciadas até hoje, mesmo que tenham largos traços comuns, ocorreram em países com contextos históricos concretos e específicos, resultando em diferentes interpretações e alcances dos efeitos da nova ordem social comandada pela burguesia.
Houve capitalismo no Brasil? Questão central para entender o processo da Revolução Burguesa e a interpretação que FF lhe dá. A literatura sobre esse assunto no Brasil se dividia em posições antagônicas. Autores como Caio Prado Jr. defendiam que sempre houve capitalismo no Brasil. Nelson Werneck Sodré e Alberto Passos Guimarães, representantes do 'marxismo oficial', consideravam que nunca houve. CPJr argumenta que sempre houve capitalismo, porque o ciclo da cana-de-açúcar, por exemplo, insere o país no circuito internacional do capital desde o seu nascimento, recusando, contudo, a aceitar que o senhor de engenho seja um capitalista. Este é visto como um agente para viabilizar a acumulação da metrópole, não se constituindo numa classe para si, ie., sem consciência. O seu excedente não é lucro. De outra parte, o marxismo oficial defende que nunca houve capitalismo e que a tarefa histórica a ser realizada é livrar o país do feudalismo. FF recusa ambas as teses.
Para este Intérprete, a Revolução Burguesa é uma relação dialética entre o sempre e o nunca do capitalismo no Brasil, que se constituiu como um processo dotado de feições próprias, com suas particularidades e especificidades históricas e sociais, cuja finalidade era o desenvolvimento capitalista e a dominação burguesa. Assim, como em Faoro, também em FF existe uma mistura entre economia e política, diferente do marxismo tradicional, já que para ambos os autores a estrutura econômica não se movimenta por si só. O capitalismo não é visto como uma coisa natural, cujas classes e modo de funcionamento apareceram espontaneamente. Ao contrário. O aparecimento de uma classe social voltada ao risco e à acumulação é uma novidade histórica de grandes proporções. Essa sociedade de classes passa a se constituir hierarquicamente, moldando as novas relações sociais por razões econômicas, mas não se livrando totalmente das antigas ideias de honra, poder e prestígio que animavam a nobreza e o Império.
Finalmente, a Revolução Burguesa ocorreu não apenas nos modos de produção, mas na própria mentalidade e motivação dos agentes sociais, cujos principais expoentes eram o Cafeicultor Capitalista e o Imigrante. O primeiro, por sua consciência de classe, importância e dinamismo econômico, que levou a consequente defesa dos seus interesses em âmbito nacional, com importantes consequências para a ordem econômica. O segundo, por já vir adestrado ao trabalho assalariado e dotado de mentalidade capitalista. Os móveis capitalistas do raciocínio econômico aos poucos solaparam o antigo regime e a velha ordem econômica. A busca do lucro imprimiu novo dinamismo à sociedade, passando aos poucos a ditar os florescentes valores sociais e econômicos, gradualmente burgueses em pensamentos, palavras e ações. É o progresso dentro da ordem– coincidentemente a lição positivista, que se verifica no caso da Revolução Burguesa brasileira. Processo de longo curso, iniciado ainda sob a dominação colonial, a Revolução Burguesa lentamente se consolida. De fato, a estrutura da terra, a sociedade agrário/exportadora, a escravidão, a centralização monárquica são características de permanência e que, gradativa, nem sempre totalmente, vão cedendo espaço aos valores e comportamentos burgueses ao longo de todo o século XIX, sendo consolidado somente no século XX. O processo que começa em 1808 com a abertura dos portos só se encerra no Estado Novo com a 'Queima das Bandeiras', quando a ordem e a dominação burguesa estão finalmente incontestes.  

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