quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Cenas explícitas de Brasil

Um pedaço dos Donos do Poder que trata das eleições...

"O poder - a soberania nominalmente popular - tem donos, que não emanam da nação, da sociedade, da plebe ignara e pobre. O chefe não é um delegado, mas um gestor de negócios, gestor de negócios e não mandatário. O Estado, pela cooptação sempre que possível, pela violência se necessário, resiste a todos os assaltos, reduzido, nos seus conflitos, à conquista dos membros graduados de seu estado-maior. E o povo, palavra e não realidade dos contestatários, que quer ele? Oscila entre o parasitismo, a mobilização das passeatas sem participação política, e a nacionalização do poder, mais preocupado com os novos senhores, filhos do dinheiro e da subversão, do que com os comandantes do alto, paternais e, como bom príncipe, dispensários de justiça e proteção. A lei, retórica e elegante, não o interessa. A eleição, mesmo formalmente livre, lhe reserva a escolha entre opções que ele não formulou." p. 837.

O capitalismo de Estado e o estamento burocrático

No último capítulo de sua grande obra, Os Donos do Poder, Faoro retoma o seu argumento geral: características estabelecidas pela Revolução de Avis, no distante ano de 1370 no jovem reino de Portugal, determinaram a estrutura profunda da organização política e social brasileira, dando origem a uma forma peculiar de capitalismo, baseado na propriedade e na empresa estatal, o capitalismo político ou politicamente orientado. O poder político deste tipo específico de capitalismo, próprio da cultura luso-brasileira, se manifesta no estamento burocrático, estrutura de poder impermeável e autoritária de uma minoria, uma carapaça burocrática, alheia e indiferente ao resto da sociedade, que moldou decisivamente o Estado e a sociedade ao longo dos séculos. Inicialmente assentado no patrimonialismo pessoal (onde o rei era proprietário de todas as terras e das principais atividades de comércio), o capitalismo de estado passa a se assentar gradativamente sobre o patrimonialismo estatal, adotando o mercantilismo como técnica de operação da economia, onde o Estado se põe a frente dos interesses econômicos e dos negócios capitalistas.
Entre as principais características desse Estado mercador, Faoro destaca o apego à aventura e ao lucro fácil como valores que levaram, num primeiríssimo momento, à expansão, cuja aventura ultramarina está entre os fatos mais notáveis. O rei era o principal investidor e o principal beneficiário dessas aventuras, de caráter nitidamente mercantilista. O constante comércio e contato com o exterior, características peculiares dessa forma de Estado, criou uma sociedade aberta aos estrangeiros e às novidades, embora não seja ela mesma criativa nem proativa. Essa sociedade, pré-capitalista (mercantilista e não medieval), se remodela com o advento do capitalismo industrial, se amolgando às mudanças tecnológicas e políticas trazidas de fora, sem perder seu caráter e estrutura. No novo Estado industrial, as atividades privadas, quando de vulto, são realizadas pelo Estado, tornando-se uma “extensão da burocracia oficial”, aproximando o campo estatal do campo econômico, onde a dinâmica do mercado se altera “em direção ao mercado administrativo, com demandas seletivas, de caráter militar e político.” P. 831. Faoro também destaca a tendência especulativa que move o estamento, fazendo com que a economia funcione aos saltos, afeiçoado ao ganho fácil e às soluções miraculosas, avesso ao trabalho.
O Estado mercador, capaz de comerciar, desafia as estruturas de análise teórica tradicionais, pois traz em seu bojo um quadro administrativo com interesses próprios, uma elite letrada e versada na burocracia, cujo expoente é o bacharel, que não se confunde nem se reduz às classes sociais marxistas. Tampouco esse tipo específico de Estado contempla a perspectiva liberal, uma vez que a iniciativa privada, onde o valor e a ambição do indivíduo determinam o êxito e a ascensão social, não se coaduna com a figura típica do estamento: o funcionário, dócil e servil aos desígnios de seus superiores. Segundo Faoro, a distinção social só estava aberta àqueles que, tendo seu currículo e carreira aprovados de cima para baixo, seguissem uma espécie de ética confuciana, do bom funcionário, nos assuntos do Estado.
Desse modo, o poder tem um reduzido círculo de donos, impermeáveis e indiferentes à nação e à sociedade, cuja organização burocrática resiste incólume a passagem do tempo. Adicionalmente, tudo provém e tudo se espera desse estado provedor, detentor das iniciativas e dos negócios. Nessa perspectiva, “o chefe não é um delegado, mas um gestor de negócios, gestor de negócios e não mandatário” p. 837. Esse chefe, seja quem for, se adapta às exigências do estamento, utilizando os instrumentos políticos derivados do controle do aparato estatal, seja por adesão, seja pela força, para dirigir o Estado, bem como os seus negócios, orientando politicamente o capitalismo.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Celso Furtado: teórico do subdesenvolvimento

A inserção do país no sistema internacional enquanto economia periférica, importadora de tecnologia dos países centrais, trazia, segundo Furtado, importantes consequências para a estrutura econômica, cujas distorções estruturais eram causa da relativa estagnação do Brasil no início da década de 60. Os argumentos de subconsumo defendidos por Furtado se constituiam num arcabouço teórico sólido, que justificavam de maneira coerente a crise a partir de uma explicação estruturalista, vendo em questões estruturais ligadas ao funcionamento da tecnologia importada e na cópia dos padrões de consumo dos países centrais razões para o baixo crescimento da economia.
Furtado parte da constatação de que o subdesenvolvimento é um processo que existe concomitantemente aos países desenvolvidos. Os países subdesenvolvidos copiam padrões de consumo do centro, o que leva a um funcionamento peculiar do papel da tecnologia, dependente. Num primeiro momento, apenas as elites dos países em desenvolvimento podem ter acesso aos produtos de consumo importados. Neste modelo, a concentração de renda é funcional para que as elites copiem os padrões de consumo dos países centrais. Num segundo momento, os produtos importados passam a ser produzidos localmente com tecnologias de ponta - há processo de substituição de importações. Essas novas tecnologias importadas, poupadoras de mão-de-obra e intensivas em capital, subutilizam o fator abundante, o fator trabalho, vis-à-vis o fator escasso, o capital. Desse modo, segundo o diagnóstico de Furtado, o Brasil se encontrava numa situação em que existia população, mas não mercado  consumidor que permitisse o desenvolvimento endógeno das forças produtivas.
O caráter altamente concentrado da renda e da propriedade fundiária fazia com que a renda disponível não permitisse os incrementos de escala ótimos para o desenvolvimento de produtos industriais. Como forma de resolver os problemas de subconsumo gerados pelas características de economia dependente e periférica, Furtado propunha reformas estruturais que aumentassem o tamanho do mercado interno, enxergando em medidas voltadas à redistribuição de renda, como reforma agrária, aumentos reais de salário e reforma educacional formas de solucionar a crise de subconsumo, já que essas provocariam no longo prazo alterações nos parâmetros estruturais da economia brasileira.

Caio Prado Jr e a revolução brasileira

Em Revolução Brasileira, Caio Prado Jr (CPJr) faz a primeira grande crítica, sistemática, ao marxismo oficial. Entre os principais pontos de discordância, destacam-se uma crítica geral à teoria marxista da revolução, pois essa se elaborou sob o signo de abstrações, isto é, em conceitos formulados a priori e sem consideração pelos fatos e pelas realidades históricas particulares, em especial, sem atentar aos condicionantes da evolução histórica do Brasil. Como conseqüência, a teoria do marxismo oficial não tem aplicabilidade nem teórica nem prática ao debate público nacional, fazendo com que as ações políticas sejam guiadas pelo sabor das circunstâncias e não por balizas teóricas consistentes.

No segundo capítulo, CPJr tece duas críticas metodológicas ao marxismo oficial.

A primeira considera um equívoco a concepção “etapista” da história brasileira, que, à semelhança do que ocorreu na Europa, deveria também ter acontecido aqui. Ou seja, do ponto de vista de sua evolução histórica, nesse ponto de vista, o Brasil começou com o regime de escravidão, passou pelo feudalismo e, finalmente, chegou ao regime capitalista. Segundo Nelson Werneck Sodré, o que marcaria o feudalismo brasileiro seriam as relações “pessoais” e não as relações contratuais. Dessa maneira, o PCB admitia que ainda havia resquícios de feudalismo no Brasil, identificando neles um dos principais desafios a serem superados pelo país.

CPJr critica esta visão “etapista” por defender que, desde o seu início, a história do Brasil foi capitalista. Como era a produção voltada ao mercado externo com o objetivo de auferir lucros, o objetivo da empresa colonial portuguesa no Brasil, CPJr considera que foi o sistema capitalista que forjou o sentido da história brasileira. Desse modo, é secundário discutir influências pretensamente feudais. A questão metodológica central é discutir o que define o sentido da colonização, procurando analisar a maneira como a dinâmica capitalista se deu no Brasil. Assim, instituições (em especial, a escravidão), que no marxismo oficial se opõem ao capitalismo, segundo a interpretação de CPJr são capitalistas, pois o seu objetivo último era a busca de lucros num sistema de produção altamente integrado com o comércio internacional – fatos completamente estranhos à compreensão tradicional do que seja o feudalismo.

O segundo ponto de discordância de CPJr relaciona-se à noção de imperialismo do marxismo oficial e a sua conseqüente proposição de luta contra ele. CPJr argumenta que essa interpretação coloca sob o mesmo conceito países muito diferentes, ignorando as imensas diferenças sociais, culturais e políticas existentes entre eles. No Brasil, diferente dos países asiáticos, antigos e populosos, não existia uma elite nacionalista que foi ameaçada e invadida por forças imperialistas. A burguesia que se forma no Brasil desde o seu início já nasce associada à burguesia internacional, de modo que ela não possui uma bandeira nacionalista.

A crítica à pretensa luta contra o imperialismo brasileiro, leva CPJr a se mostrar cético em relação à busca da autonomia do país pela via do processo de substituição de importações, e, assim, contra a concepção então em voga na CEPAL, antecipando as teorias da dependência que buscam nas características históricas da formação de nossas elites elementos importantes para explicar nosso subdesenvolvimento.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Conselho Astuto

Conselho de Alvaro Paez ao Mestre de Avis, no século XIV. Segundo Raymundo Faoro, uma das estratégias políticas peculiares da cultura luso-brasileira que atravessaram seis séculos:

"Senhor" - recomendava o astuto conselheiro - "fazei por esta guisa: Dai aquilo que vosso não é, e prometei o que não tendes, e perdoai a quem vos não errou, e ser-vos-á mui grande ajuda para tal negócio em que sois posto"

sábado, 9 de outubro de 2010

Interpretações do Brasil

O espaço da sala de aula em geral é muito desvalorizado. Professores repetem conteúdos há anos escutados por sonolentos e desinteressados estudantes. Felizmente este espaço pode ser muito mais interessante e formador, pois interpretar o Brasil também é fazer uma espécie de terapia, individual e coletiva.
Abaixo, um pedacinho do programa da disciplina Interpretações do Brasil, sob batuta do professor Pedro Fonseca:

II- OBJETIVOS

O curso visa discutir e comparar as diferentes visões e interpretações sobre a economia e a sociedade brasileiras, através da abordagem de autores que, por sua contribuição, marcaram e marcam o debate intelectual do país.

III- CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
Estudo das contribuições de: Caio Prado Jr, Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, Raymundo Faoro, Gilberto Freyre, Ignácio Rangel e Sérgio Buarque de Holanda.