quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Liberdade, autonomia e justiça

A análise em profundidade e a centralidade da liberdade como problema filosófico é algo muito recente na história da filosofia. O conceito de liberdade, embora antigo, começa a ser tematizado com radicalidade apenas em meados do século XVII. O que me interessa aqui é traçar o desenvolvimento da tradição liberal de Locke, Rousseau e Kant, que leva a uma abordagem da justiça como liberdade. Nesse post, um esboço da justiça como liberdade na visão de Amartya Sen.

Para Locke, bem como para outros da tradição jusnaturalista, o homem possui direitos naturais, inatos, que não podiam ser postos em risco nem por outros cidadãos, nem pelo poder estatal. A liberdade era vista como não-impedimento, ausência de restrições. O foco de Locke em sua abordagem era fornecer bons argumentos para impedir o abuso do poder estatal sobre os cidadãos. No estado de natureza os homens eram livres, gozando de todos os seus direitos naturais. A entrada no estado civil não lhes retira esses direitos, que devem ser exercidos sem interferências externas. Nesse sentido, liberdade é entendida em sentido meramente negativo.

Rousseau dá um passo avante quando afirma que entrada no estado civil é uma ato de autonomia do homem, à medida que ele se submete espontaneamente às leis do estado civil, saindo, com isso, do estado de natureza. A liberdade como autonomia é liberdade em sentido positivo. É uma capacidade que o homem livre e soberanamente decide exercer: se submeter às leis não deve ser motivado pela coerção ou pelo medo, mas pela livre adesão dos espíritos.

Liberdade, nesse sentido, adquire nova e poderosa dimensão, fornecendo a base para o desenvolvimento do iluminismo e inaugurando a modernidade.

Kant, o pensador iluminista mais sistemático, afirma que o iluminismo é a saída do homem de sua minoridade, estado no qual ele mesmo se colocou. Segundo Robert Pippin, em Modernism as a philosofical problem, a tarefa do cidadão do mundo agora, na modernidade, é a busca da maioridade, ou seja, da autonomia. A tarefa, portanto, é o desenvolvimento do homem enquanto ser racional e livre, pois racionalidade e liberdade, do ponto de vista prático, são equivalentes.

O conceito de autonomia é formulado rigorosamente por Kant em sua Fundamentação da metafísica dos costumes. Autonomia é capacidade do homem de, espontaneamente, seguir leis. No caso específico da filosofia de Kant, do homem seguir a lei moral, cujo princípio fundamental é o imperativo categórico: age de tal forma que a máxima da tua ação possa se transformar numa lei universal.

O desenvolvimento do conceito de autonomia influenciou profundamente as idéias sobre o que seja justiça. Uma sociedade justa é uma sociedade em que os seus cidadãos sejam livres e que possam, portanto, exercer a sua autonomia. Desse modo, as instituições devem funcionar de tal maneira que permitam o desenvolvimento da autonomia dos seus cidadãos. Mas, o que significa isso exatamente?

Recentemente, Amartya Sen, em seu Desenvolvimento como liberdade, ilustra liberdade em sentido positivo de maneira didática: um cidadão do mundo deve ter a liberdade (em sentido positivo) de celebrar contratos, pois essa é uma condição fundamental para ele poder ter dignidade nas sociedades complexas contemporâneas. Sem essa liberdade, esse cidadão não pode nem ser empregado, quiçá, patrão... Contudo, o exercício positivo dessa liberdade requer uma série de não-impedimentos. Por exemplo, para exercer a liberdade de celebrar contratos, esse cidadão deve saber ler e escrever, pois, senão, de outro modo, ele não pode exercer sua liberdade de celebrar contratos. Pobreza nada mais é do que uma série de impedimentos, que não permitem ao homem o desenvolvimento de sua liberdade. Justiça social é o funcionamento das instituições de tal modo que elas permitam o desenvolvimento da liberdade de seus cidadãos, numa palavra, que eles sejam autônomos.

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