segunda-feira, 14 de julho de 2008

A "safra do milagre": o melhor conjunto de investimentos possível?

Época de férias e estou aproveitando para organizar pastas e arquivos, guardando ou colocando no lixo os restos mortais de 20081. Entre a papelada da economia, encontrei uma resenha que fiz sobre o IIº Plano Nacional de Desenvolvimento (IIºPND), o mais controvertido dos planos econômicos realizados pela ditadura militar que governou o Brasil a partir de 64. Para não engavetar e nunca mais ler o trabalho, publico a sua apresentação neste post .

Essa resenha apresenta e discute a interpretação proposta por Antonio Barros de Castro (ABC) sobre o acerto da “estratégia de 74” para a política econômica adotada pelo governo brasileiro como resposta à crise internacional de 1974. A análise da estratégia de 74 é realizado na segunda seção do primeiro artigo “Ajustamento X Transformação. A economia brasileira de 1974 a 1984”. Utilizei como fonte de material para essa resenha não apenas a seção citada, como também todo o primeiro artigo e a apresentação do livro, onde o autor apresenta as suas principais idéias acerca do desenvolvimento econômico do Brasil no período compreendido entre 1974 e 1984.

Segundo o autor, a tese central que anima seu livro é de que, em resposta à essa crise internacional, a economia brasileira foi levada a ingressar num período de “marcha forçada”. Essa marcha forçada foi decidida quando da adoção da “estratégia de 74”, podendo ser observada mediante dois fatos empíricos importantes:

1) a sustentação das taxas de investimento excepcionalmente elevadas no período de aplicação do II PND;

2) e os resultados que essa marcha forçada tiveram para o Balanço de Pagamentos (BP), em especial para a melhora da posição corrente líquida no período recessivo imediatamente subseqüente (1981-84).

A interpretação do segundo fato empírico é construída, inicialmente, por refutação da posição considerada “neoliberal” pelo autor, que defendia a interpretação de que a melhoria do BP devia-se à adoção de uma política de austeridade fiscal e monetária por parte do governo. Segundo ABC, a melhora expressiva do BP deve-se ao papel decisivo do Estado na construção do parque industrial brasileiro, cuja realização alterou substancialmente a pauta do BP, seja em produtos, seja em quantidades, especialmente a partir dos anos 80. Ainda segundo o autor, as políticas propostas pelo FMI (especialmente austeridade fiscal) no período deveriam ser repudiadas, devendo ser enfatizado o crescimento econômico (via saldo comercial) realizado com planejamento público e o gasto social. Desse modo, ganha especial destaque para sustentar a tese do autor a “estratégia de 74”, como estratégia econômica dotada de racionalidade frente a um ambiente de grande incerteza internacional.

ABC defende a tese de que o conjunto de medidas econômicas realizadas pelo governo militar foi acertado, pois permitiu ao país construir, mediante pesada intervenção estatal, um parque industrial completo, podendo finalizar um conjunto articulado de ações no Departamento1 (D1) da economia (conforme classificação dos departamentos de Kalecki, ainda que não adotada explicitamente pelo autor). Contudo, reconhece o autor, as políticas públicas na área social foram sobejamente insuficientes, resultando num imenso passivo social. Esse descompasso entre a política industrial exitosa adotada pelo governo militar e a política social rasa e ineficiente não devem entretanto ocultar os méritos da primeira. Segundo as palavras do autor: “Seria um grave erro avaliar o potencial das forças produtivas que aí estão pelo lamentável quadro econômico-social em que elas vieram a emergir.”(CASTRO, 1985 p.9)”

Ainda que essas idéias sejam apresentadas a título de quadro geral onde será discutido o objetivo central dessa resenha, a saber, o acerto da estratégia econômica de 74, não é possível deixar de observar a tensão existente no pensamento do autor entre crescimento econômico, realizado principalmente no setor de bens de capital mediante planejamento e investimento estatal, com o “gasto social”, que certamente significa aumento de gastos em previdência, saúde e educação. Ao afirmar que a política econômica seguida a partir de 74 foi acertada, pois despertou o imenso potencial produtivo da indústria brasileira, e que essa mesma política pode ser julgada por seus méritos próprios, a despeito do fracasso estatal em distribuir renda e promover a melhoria social, o autor explicita a própria contradição que os intelectuais nutrem com o regime militar que conduziu o país de 64 a 84. Por um lado, ABC reconhece o acerto da estratégia adotada em 74, por outro assume que a política social não está correlacionada com a política industrial, na medida em que a avaliação de uma independe dos resultados da outra.

Seja como for, aumentar o gasto com investimento estatal significa ceteris paribus diminuir o gasto estatal com as áreas ditas “sociais”. A menos, é claro, que contemos ou eternamente com poupança externa ou que haja espaço para uma significativa elevação da carga tributária ou que haja ganhos cada vez mais elevados com o imposto inflacionário. De fato, o calote da dívida, a elevação significativa da carga tributária e o aumento descontrolado da inflação foram fatos econômicos marcantes da década de 80, também conhecida como “década perdida”. Desse modo, o aumento do gasto social também deve contar como uma variável importante para mensurar o êxito da “estratégia de 74”, que, por essa ótica, também deve ser avaliada pelas ações que deixou de realizar.

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