quarta-feira, 7 de julho de 2010

Liberdade como expansão das capacitações

Os seres humanos são os agentes, beneficiários e juízes do progresso, mas ocorre também que eles são - direta ou indiretamente – as fontes primárias de toda produção. Esse duplo papel dos seres humanos fornece um amplo campo para confusão entre meios e fins no planejamento e na formulação de políticas, enfatizando a produção e a prosperidade como essência do progresso e tratando as pessoas como os meios através dos quais esses progressos produtivos se tornam possíveis.


Um país pode ser muito rico em termos econômicos convencionais e mesmo assim ser muito pobre quanto à qualidade de vida humana, como, pex, África do Sul e Brasil.

Para evitar que o planejamento para o desenvolvimento e a formulação geral de políticas sejam perturbados pela confusão entre fins e meios, Sen propõe considerar o tópico de identificação de fins, em termos dos quais a efetividade dos meios pode ser sistematicamente confirmada. Este é o objetivo da análise conceitual da abordagem das capacitações.

A abordagem das capacitações

A vida humana é um conjunto de “fazeres e seres” – chamados de funcionamentos. A abordagem das capacitações relaciona a avaliação da qualidade de vida ao acesso à capacidade dos indivíduos funcionarem como seres humanos, isto é, em termos da sua realização de atividades cujos valores sejam legítimos e da capacidade de se realizar aquilo que legitimamente se deseja.

Funcionamentos elementares: tais como o de evitar a morbidade e a mortalidade precoce, estar adequadamente nutrido, poder realizar os movimentos usuais etc.

Funcionamentos complexos: tais como a obtenção de auto-respeito, tomar parte na vida da comunidade e aparecer em público sem inibição.

Funcionamentos são constitutivos de uma pessoa e uma avaliação do bem-estar de uma pessoa tem que tomar a forma de um monitoramento desses elementos constituintes. Um funcionamento é uma conquista de uma pessoa: o que ela procura fazer ou ser.

Já a capacitação de uma pessoa é uma noção derivada, refletindo as várias combinações de funcionamentos que uma pessoa tem ou que pode atingir. Assim: a capacitação reflete a liberdade de uma pessoa para escolher entre diferentes formas de vida.

Liberdade instrumental – o melhor meio, a melhor escolha, para se atingir um fim determinado: ênfase nos meios.

Liberdade substantiva - liberdade de se viver o tipo de vida que alguém gostaria de viver, isto é, conforme seus valores, podendo realizá-los pois possui os funcionamentos necessários para tanto. Enfatizar os valores que uma pessoa legitimamente busca realizar é enfatizar o fim do desenvolvimento, que é garantir a ela a liberdade de viver do jeito que acha melhor.

A distinção entre funcionamentos e capacitações coloca ênfase na importância da liberdade de escolha de um tipo de vida ou de outro. Esta é uma ênfase que distingue a abordagem das capacitações de qualquer avaliação que considera apenas conquistas realizadas. Contudo, a habilidade de exercer a liberdade pode estar, em grande medida, dependente da educação e da saúde que recebemos. Desse modo, uma avaliação esclarecida e inteligente tanto sobre o estilo de vida que somos obrigados a levar quanto aquele que seríamos capazes de escolher, através das mudanças sociais, é o que propõe a abordagem de Sen do desenvolvimento.

Críticas às demais correntes de pensamento:

Utilitarismo
A noção utilitária de valor considera, em última análise, como utilidade individual uma determinada condição mental, como satisfação, alegria e atendimento de desejos. Ela é enganosa, pois pode falhar na indicação das privações reais de uma pessoa. Uma pessoa miserável pode não parecer em más condições pela métrica utilitarista, se ela estiver resignada com a vida que leva. Em situações de longa privação, as vítimas não sentem o sofrimento todo tempo, fazendo grandes esforços para encontrar prazer em pequenas coisas, para reduzir seus desejos a proporções modestas, “realistas”. A privação individual, dessa forma, pode não aparecer nas medidas de prazer, atendimento de desejos, etc. mesmo quando a pessoa está impossibilitada de ser adequadamente nutrida, vestida, educada etc.

Economia do desenvolvimento
Boa parte da vasta literatura do desenvolvimento utiliza uma base informacional utilitarista, o que limita os argumentos e a percepção acerca dos reais problemas do desenvolvimento. A abordagem das capacitações é superior às avaliações tradicionais pois a perspectiva da vida humana como combinação de vários funcionamentos e capacitações, e a análise da liberdade humana como aspecto central da vida fornecem uma base sólida para o exercício avaliativo.

Rawls
Este autor enfatiza a obtenção de “bens primários” por parte de diferentes pessoas, e sua teoria da justiça depende em grande medida no estabelecimento das comparações interpessoais. Este procedimento está baseado em bens, como “renda e bem-estar”, além das “liberdades básicas”, “poderes e prerrogativas de si” etc.

Segundo Sen, toda a lista de bens primários de Rawls ocupa-se mais dos meios do que dos fins, tratando de coisas que ajudam a alcançar o que queremos conquistar. Os bens primários são meios para se atingir a liberdade, enquanto as capacitações são expressão da própria liberdade. O problema com a avaliação de Rawls reside no fato de que, mesmo visando a objetivos iguais, a habilidade das pessoas para converter bens primários em funcionamentos é diferente, de tal forma que uma comparação interpessoal baseada na posse de bens primários não consegue refletir, geralmente, o ordenamento de suas reais liberdades na busca de quaisquer (variados) objetivos

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