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segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O direito do mais forte ou o direito universal?

É justo Julian Assange ser preso segundo a filosofia de Hobbes? E a de Kant? Leia o texto abaixo retirado do blog O Biscoito Fino e a Massa para obter elementos para sua resposta.

Wikileaks: O 1º preso político global da internet e a Intifada eletrônica

Julian Assange é o primeiro geek caçado globalmente: pela superpotência militar, por seus estados satélite e pelas principais polícias do mundo. É um australiano cuja atividade na internet catupultou-o de volta à vida real com outra cidadania, a de uma espécie de palestino sem passaporte ou entrada em nenhum lugar. Ele não é o primeiro a ser caçado pelo poder por suas atividades na rede, mas é o primeiro a sofrê-lo de um jeito tentacular, planetário e inescapável. Enquanto que os blogueiros censurados do Irã seriam recebidos como heróis nos EUA para o inevitável espetáculo de propaganda, Assange teve todos os seus direitos mais elementares suspensos globalmente, de tal forma que tornou-se o sujeito mundialmente inospedável, o primeiro, salvo engano, a experimentar essa condição só por ter feito algo na internet. Acrescenta mais ironia, note-se, o fato de que ele fez o mais simples que se pode fazer na rede: publicar arquivos .txt, palavras, puro texto, telegramas que ele não obteve, lembremos, de forma ilegal.

Assange é o criminoso sem crime. Ao longo dos dias que antecederam sua entrega à polícia britânica, os aparatos estatal-político-militar-jurídico dos EUA e estados satélite batiam cabeças, procurando algo de que Assange pudesse ser acusado. Se os telegramas foram vazados por outrem, se tudo o que faz o Wikileaks é publicar, se está garantido o sigilo da fonte e se os documentos são de evidente interesse público, a única punição passível, por traição, espionagem ou coisa mais leve que fosse, caberia exclusivamente a quem vazou. O Wikileaks só publica. Ele se apropria do que a digitalização torna possível, a reprodutibilidade infinita dos arquivos, e do que a internet torna possível, a circulação global da hospedagem dessas reproduções. Atuando de forma estritamente legal, ele testa o limite da liberdade de expressão da democracia moderna com a publicação de segredos desconfortáveis para o poder. Nesse teste, os EUA (Departamento de Estado, Justiça, Democratas, Republicanos, grande mídia, senso comum) deixaram claro: não se aplica a Primeira Emenda, liberdade de expressão ou coisa que o valha. Uniram-se todos, como em 2003 contra as “armas de destruição em massa” do Iraque. Foi cerco e caça geral a Assange, implacável.
Fonte da imagem: http://peregrinacultural.wordpress.com

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Ainda sobre Paraisópolis.

Requento um pedaço modificado de um post sobre o que julgo ser a verdadeira causa da violência em Paraisópolis, a favela. É incrível que depois de anos de governos de "esquerda" o problema das favelas continue, no seu grosso, intocado. Não haverá justiça social nem crescimento econômico sustentável enquanto milhões de brasileiros viverem em condições indignas de moradia, sem saneamento, transporte, saúde e educação adequadas. A proximidade com os ricaços só aumenta a revolta e escancara a injustiça. Imaginem-se morando num barraco sem luz e sem banheiro, mas com vista para o espigão que tem uma piscina por andar... Nesses casos, a polícia faz o triste papel de capitão do mato, resolvendo na porrada o que é direito constitucional.

A principal causa de tais índices de violência, no entanto, parece ser outro do que aquele proferido iradamente nos discursos oficiais: a favela. Sem condições mínimas de segurança, habitação, higiene e educação, a violência transborda com naturalidade de barracos mal equilibrados e sem canalização de esgoto. O interessante é que a violência somente se torna um problema social quando desce para o asfalto. Confinada aos morros e favelas a violência é vista como "guerra de traficantes". Os programas de governo de desfavelização são tímidos e muito pontuais para o tamanho do problema, que inclui uma legislação fundiária kafkaniana, a base para todas as ações subseqüentes. Enquanto o verdadeiro problema fundiário brasileiro (ao contrário do que prega, por exemplo, o MST) encontra-se nas regiões metropolitanas do Brasil e não no campo, não for enfrentado com determinação, as favelas continuarão sendo o grande viveiro da violência cega de nossas grandes cidades.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Liberdade, autonomia e justiça

A análise em profundidade e a centralidade da liberdade como problema filosófico é algo muito recente na história da filosofia. O conceito de liberdade, embora antigo, começa a ser tematizado com radicalidade apenas em meados do século XVII. O que me interessa aqui é traçar o desenvolvimento da tradição liberal de Locke, Rousseau e Kant, que leva a uma abordagem da justiça como liberdade. Nesse post, um esboço da justiça como liberdade na visão de Amartya Sen.

Para Locke, bem como para outros da tradição jusnaturalista, o homem possui direitos naturais, inatos, que não podiam ser postos em risco nem por outros cidadãos, nem pelo poder estatal. A liberdade era vista como não-impedimento, ausência de restrições. O foco de Locke em sua abordagem era fornecer bons argumentos para impedir o abuso do poder estatal sobre os cidadãos. No estado de natureza os homens eram livres, gozando de todos os seus direitos naturais. A entrada no estado civil não lhes retira esses direitos, que devem ser exercidos sem interferências externas. Nesse sentido, liberdade é entendida em sentido meramente negativo.

Rousseau dá um passo avante quando afirma que entrada no estado civil é uma ato de autonomia do homem, à medida que ele se submete espontaneamente às leis do estado civil, saindo, com isso, do estado de natureza. A liberdade como autonomia é liberdade em sentido positivo. É uma capacidade que o homem livre e soberanamente decide exercer: se submeter às leis não deve ser motivado pela coerção ou pelo medo, mas pela livre adesão dos espíritos.

Liberdade, nesse sentido, adquire nova e poderosa dimensão, fornecendo a base para o desenvolvimento do iluminismo e inaugurando a modernidade.

Kant, o pensador iluminista mais sistemático, afirma que o iluminismo é a saída do homem de sua minoridade, estado no qual ele mesmo se colocou. Segundo Robert Pippin, em Modernism as a philosofical problem, a tarefa do cidadão do mundo agora, na modernidade, é a busca da maioridade, ou seja, da autonomia. A tarefa, portanto, é o desenvolvimento do homem enquanto ser racional e livre, pois racionalidade e liberdade, do ponto de vista prático, são equivalentes.

O conceito de autonomia é formulado rigorosamente por Kant em sua Fundamentação da metafísica dos costumes. Autonomia é capacidade do homem de, espontaneamente, seguir leis. No caso específico da filosofia de Kant, do homem seguir a lei moral, cujo princípio fundamental é o imperativo categórico: age de tal forma que a máxima da tua ação possa se transformar numa lei universal.

O desenvolvimento do conceito de autonomia influenciou profundamente as idéias sobre o que seja justiça. Uma sociedade justa é uma sociedade em que os seus cidadãos sejam livres e que possam, portanto, exercer a sua autonomia. Desse modo, as instituições devem funcionar de tal maneira que permitam o desenvolvimento da autonomia dos seus cidadãos. Mas, o que significa isso exatamente?

Recentemente, Amartya Sen, em seu Desenvolvimento como liberdade, ilustra liberdade em sentido positivo de maneira didática: um cidadão do mundo deve ter a liberdade (em sentido positivo) de celebrar contratos, pois essa é uma condição fundamental para ele poder ter dignidade nas sociedades complexas contemporâneas. Sem essa liberdade, esse cidadão não pode nem ser empregado, quiçá, patrão... Contudo, o exercício positivo dessa liberdade requer uma série de não-impedimentos. Por exemplo, para exercer a liberdade de celebrar contratos, esse cidadão deve saber ler e escrever, pois, senão, de outro modo, ele não pode exercer sua liberdade de celebrar contratos. Pobreza nada mais é do que uma série de impedimentos, que não permitem ao homem o desenvolvimento de sua liberdade. Justiça social é o funcionamento das instituições de tal modo que elas permitam o desenvolvimento da liberdade de seus cidadãos, numa palavra, que eles sejam autônomos.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O que aconteceu em Paraisópolis???

Algumas vezes uma imagem vale mais do que mil palavras. Caso da foto de Tuca Vieira ao lado, respondendo à pergunta: o que aconteceu em Paraisópolis???

Pobreza e justiça: questões antigas, novas relações

Publico abaixo mail que mandei ao Dadaseyn em resposta à um post do Rogério Severo sobre o fato curioso de que antigamente lidar com a pobreza era uma questão de benemerência e hoje é uma questão de justiça.

Talvez a idéia de que ninguém deva ficar abaixo da linha da pobreza seja uma idéia moderna, pois, até onde eu sei, não havia sido desenvolvido o conceito de linha de pobreza ou outro conceito análogo em Atenas.

Agora, Platão trata com profundidade a questão na República, o livro em que trata sistematicamente da justiça. Lá, uma das condições fundamentais para uma sociedade justa é existência de uma classe de produtores, que fazem justiça ao fazerem o que sabem fazer melhor, produzir.

Bom, aproveitei e fui dar uma conferida no Górgias, onde o tema da justiça e da economia também são tratados e lá encontrei água para o moinho do Fleischacker. Veja a conclusão da argumentação de Sócrates contra Polo:

Sócrates — Logo, a economia livra da pobreza; a medicina, da doença; e o castigo, da intemperança e da injustiça.

Polo — Parece.

Sócrates — E de todas elas, qual será a mais bela?

Polo — A que te referes?

Sócrates — Economia, medicina, justiça.

Polo — Sem comparação, Sócrates, a justiça.

Podemos inferir dessa conclusão que economia e justiça são diferentes pois não havia, digamos assim, remédio normativo contra a pobreza (leis, projetos públicos, bolsas, etc). Ou seja, as condições materiais não estavam sob controle direto das instituições sociais. Algo bem diferente do que acontece em Rawls, onde se pressupõe que os bens sociais principais possam ser corretamente mensurados para poderem ser distribuídos.

Certamente a aproximação do problema da pobreza com o problema da justiça está associado com o desenvolvimento conceitual da economia e com o avanço das técnicas de mensuração da riqueza. A econometria, por exemplo, a grande ferramenta para formulação e execução de políticas econômicas é uma ciência bebê, com apenas 60 anos.É possível pensar nesse caso num argumento análogo ao utilizado por Hans Jonas no seu Princípio Responsabilidade, quando afirma que os conceitos éticos na Grécia Antiga tratavam apenas e exclusivamente de questões humanas. Com o aperfeiçoamento da técnica e o conseqüente domínio da natureza, o homem passa a ter um poder sobre a natureza que não tinha antes. Dessa feita, os conceitos éticos devem ser ampliados de modo que abarquem também a natureza. Não havia responsabilidade pelas nossas florestas porque não podíamos destruí-las. Agora que podemos, somos, ao contrário de quando não podíamos, moralmente responsáveis por elas.Do mesmo modo, antes a pobreza não era um problema moral (melhor colocado, um problema de justiça) porque não se podia fazer nada - a não ser caridade - para aplacá-la. Hoje, com o atual grau de desenvolvimento das forças produtivas é possível eliminar a pobreza: é algo que está ao nosso alcance fazer; portanto, eliminar a pobreza é sim, hoje, uma questão de justiça.

Assim, para te responder diretamente a questão 2, me parece que houve um acréscimo às discussões tradicionais sobre a justiça na medida em que os temas eram antigos e bem conhecidos. Agora, houve uma extensão do conceito de justiça devido as novas ferramentas empíricas que surgiram para tratá-lo.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

É possível mensurar a justiça?

A justiça sempre foi vista como assunto de filósofo, além de também ser assunto de economistas, juristas, sociólogos, historiadores, músicos, etc, etc, etc. Desde o seu nascimento na Grécia Antiga, a filosofia trata e tematiza a questão da justiça, sobretudo com Sócrates, imortalizado por Platão como o primeiro e genuíno amante da sabedoria. De fato, a questão da justiça ocupa a principal obra de Platão: a República, Res publica ou Politéia, também conhecido (mas hoje em dia esquecido) Da justiça. No primeiro livro, considerado por vários intérpretes como sendo uma obra originalmente diferente do restante, Sócrates lança a pergunta pelo que é a justiça. A partir de então, a pergunta pela justiça tem sido um dos pilares da filosofia política, ocupando autores tão eminentes quanto Aristóteles, na sua ética, quanto Kant, na sua Metafísica dos Costumes.
Além de se constituir uma difícil pergunta filosófica, a pergunta pela justiça também se constitui como um questão de natureza distributiva e, portanto, uma questão de natureza econômica. Nos tempos de Sócrates, quando as cidades eram menores e as sociedades mais simples, as questões distributivas eram mais claras e se podia, quiçá, apelar ao evidente e ao manifesto. Contudo, nas sociedades atuais, complexas e multifacetadas a questão da realização da justiça econômica não é tão simples. Ela exige que se mensure variadas facetas da vida econômica moderna, cujos principais elementos são intangíveis. Por exemplo: oportunidade. Sem dúvida que faz parte de um ambiente econômico sadio e de uma sociedade justa que hajam oportunidades para os mais capazes, da mesma forma que hajam oportunidades aos que têm menos. Falar em justiça econômica nas sociedades atuais não é apenas falar em renda per capita, PIB ou coeficiente de Gini, uma vez que o acesso às oportunidades constitui papel central na realização da justiça.