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quinta-feira, 8 de julho de 2010

Capacitações coletivas, cultura e Desenvolvimento como Liberdade de A. Sen.

Pollock, do Wall Street Journal, fez o seguinte comentário sobre o prêmio Nobel concedido a Amartya Sen: [seu trabalho] “tem feito pouco mais do que dar voz a visões estúpidas de esquerda que dominam o seu mundo”. Segundo Evans, essa reação frente a um trabalho elegante, logicamente bem argumentado e formalmente bem construído é histérica.

Utilizando a apresentação sintética da teoria de Sen feita em Desenvolvimento como Liberdade, Evans sugere que a reação defensiva do WSJ correta, pois a teoria lá exposta desafia a visão de mundo conservadora do WSJ muito mais do que as citações elogiosas de Sen a Adam Smith sugerem.

O desafio da abordagem das capacitações

O desenvolvimento deve ser avaliado em termos da expansão das capacitações, de modo que as pessoas possam viver as vidas que elas valorizam – e têm razão para valorizar. Esta é definição de liberdade de Sen. Educação, saúde e direitos das mulheres são eles mesmos constitutivos do desenvolvimento, fins em si mesmos.
Evans considera que a abordagem das capacitações contribui não somente para uma ampliação do conceito de desenvolvimento, mas também para uma efetiva utilização da escolha social, longamente estudada por Sen. Incentivados pela análise de Arrow sobre a impossibilidade das escolhas coletivas, os economistas de um modo geral pouco enfatizam a importância do debate político e da discussão no estabelecimento de metas para o desenvolvimento.
Sen ataca essa relutância com uma efetividade impressionante.
1) Usando suas habilidades em análise formal, ele argumenta que o aumento da quantidade de informações levadas em consideração na tomada de decisão recolocam em cena a questão da escolha social.
2) Tendo mostrado formalmente que a escolha social é possível, Sen sugere que ela é necessária, utilizando dois sub-argumentos:
a. renda real é uma métrica analiticamente inadequada para comparações de bem-estar;
b. os esforços utilitaristas para reduzir o bem-estar a algo homogêneo é igualmente inadequado. É preciso explicitar os diferentes pesos dos diferentes fatores que compõem a qualidade de vida (ou bem-estar) e então debater publicamente os pesos atribuídos às preferências que devem nortear o desenvolvimento.
A consequência da argumentação de Sen é dupla:
1) Desenvolvimento como expansão das capacitações da cidadania implica em um conjunto muito diferente de decisões alocativas e estratégias de crescimento.
2) Ela implica que escolhas sobre essas alocações e estratégias devem ser democráticas, não num sentido fino de eleições e mudança de representantes periodicamente, mas num sentido robusto, à medida que a democracia é uma coisa boa, um fim do desenvolvimento, por si só, que aprimora constantemente a cidadania ao permitir que os cidadãos participem das decisões públicas e estabeleçam, no fim das contas, os fins almejados do desenvolvimento.
É o segundo aspecto do pensamento de Sen que incomoda o comentarista do WSJ segundo Evans.
Contudo, prossegue Evans, a análise de Sen foca o indíviduo e não explora as implicações mais gerais que sua concepção de desenvolvimento enseja. Capacitações individuais dependem de capacitações coletivas. Do mesmo modo, ele não explora o fato de que a concentração do poder econômico sobre os meios de produção e difusão culturais podem e, de fato, comprometem a capacidade de decidir as coisas que as pessoas têm razão em valorizar.
Evans avança em sua análise argumentando que a coletividade organizada – partidos políticos, associações, conselhos distritais, grupos de mulheres, ONGs etc – são fundamentais para que os indivíduos possam escolher o que eles têm razão para valorizar. Essas organizações fornecem a arena para formular valores e preferências, bem como constroem os meios para alcançá-los, mesmo em face de poderosa oposição.
O que Sen não destaca no caso do Estado de Kerala, segundo Evans, é que o clima de discussão e debate que ele elogia está construído sobre a base de organizações sociais bem organizadas e mobilizadas, começando pelos partidos políticos e uniões comerciais. Estes veículos organizacionais fazem o processo deliberativo celebrado por Sen possível. Apoiar o desenvolvimento de ações coletivas é, desse modo, central para a expansão da liberdade.
Sugestões de Evans:
Políticas públicas que explicitamente reconheçam a importância da ação coletiva, facilitando sua ação por meio de organizações civis, bem como removendo obstáculos ao seu bom funcionamento, são essenciais para o desenvolvimento como liberdade.
Por outro lado, também falta uma análise, a partir dos pressupostos da abordagem das capacitações, de quais os processos de mercado podem se constituir como impedimento aos processos deliberativos de formação de preferências, que é essencial para a expansão das capacitações.
Evans considera que Sen não explora as maneiras pelas quais as influências de “condicionamento mental” podem sistematicamente refletir os interesses dos grandes grupos econômicos e do poder político. Muito embora Sen reconheça que “o sol não se ponha no império da cola-cola ou da MTV”, ele não explora as implicações desses impérios sobre as habilidades das pessoas escolherem a vida que elas têm razão para valorizar.
Explicitar as contradições entre desenvolvimento como liberdade e um crescente aumento da concentração de poder sobre a produção cultural, informação, e, portanto, das preferências traz novamente a questão das capacitações coletivas.
Sugestão de Evans: A maneira mais óbvia de estabelecer um contraponto à não-liberdade dos impérios da Coca-cola e da MTV é promover uma vibrante vida associativa que capacita os menos privilegiados a desenvolver suas próprias e distintivas preferências, bem como estabelecer prioridades baseadas sobre posições econômicas partilhadas e circunstâncias de vida, desenvolvendo estratégias para perseguir essas preferências de maneira autônoma.
Desse modo, Evans considera as contribuições de Sen preciosas, mas a análise do desenvolvimento como liberdade deve ir além dos argumentos que ele apresentou. Deve ser consequente e explicitar melhor o papel que as capacitações coletivas desempenham para a realização da liberdade, levando em conta os condicionantes de mercado que interferem nos processos de formação de preferências coletivo.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Liberdade como expansão das capacitações

Os seres humanos são os agentes, beneficiários e juízes do progresso, mas ocorre também que eles são - direta ou indiretamente – as fontes primárias de toda produção. Esse duplo papel dos seres humanos fornece um amplo campo para confusão entre meios e fins no planejamento e na formulação de políticas, enfatizando a produção e a prosperidade como essência do progresso e tratando as pessoas como os meios através dos quais esses progressos produtivos se tornam possíveis.


Um país pode ser muito rico em termos econômicos convencionais e mesmo assim ser muito pobre quanto à qualidade de vida humana, como, pex, África do Sul e Brasil.

Para evitar que o planejamento para o desenvolvimento e a formulação geral de políticas sejam perturbados pela confusão entre fins e meios, Sen propõe considerar o tópico de identificação de fins, em termos dos quais a efetividade dos meios pode ser sistematicamente confirmada. Este é o objetivo da análise conceitual da abordagem das capacitações.

A abordagem das capacitações

A vida humana é um conjunto de “fazeres e seres” – chamados de funcionamentos. A abordagem das capacitações relaciona a avaliação da qualidade de vida ao acesso à capacidade dos indivíduos funcionarem como seres humanos, isto é, em termos da sua realização de atividades cujos valores sejam legítimos e da capacidade de se realizar aquilo que legitimamente se deseja.

Funcionamentos elementares: tais como o de evitar a morbidade e a mortalidade precoce, estar adequadamente nutrido, poder realizar os movimentos usuais etc.

Funcionamentos complexos: tais como a obtenção de auto-respeito, tomar parte na vida da comunidade e aparecer em público sem inibição.

Funcionamentos são constitutivos de uma pessoa e uma avaliação do bem-estar de uma pessoa tem que tomar a forma de um monitoramento desses elementos constituintes. Um funcionamento é uma conquista de uma pessoa: o que ela procura fazer ou ser.

Já a capacitação de uma pessoa é uma noção derivada, refletindo as várias combinações de funcionamentos que uma pessoa tem ou que pode atingir. Assim: a capacitação reflete a liberdade de uma pessoa para escolher entre diferentes formas de vida.

Liberdade instrumental – o melhor meio, a melhor escolha, para se atingir um fim determinado: ênfase nos meios.

Liberdade substantiva - liberdade de se viver o tipo de vida que alguém gostaria de viver, isto é, conforme seus valores, podendo realizá-los pois possui os funcionamentos necessários para tanto. Enfatizar os valores que uma pessoa legitimamente busca realizar é enfatizar o fim do desenvolvimento, que é garantir a ela a liberdade de viver do jeito que acha melhor.

A distinção entre funcionamentos e capacitações coloca ênfase na importância da liberdade de escolha de um tipo de vida ou de outro. Esta é uma ênfase que distingue a abordagem das capacitações de qualquer avaliação que considera apenas conquistas realizadas. Contudo, a habilidade de exercer a liberdade pode estar, em grande medida, dependente da educação e da saúde que recebemos. Desse modo, uma avaliação esclarecida e inteligente tanto sobre o estilo de vida que somos obrigados a levar quanto aquele que seríamos capazes de escolher, através das mudanças sociais, é o que propõe a abordagem de Sen do desenvolvimento.

Críticas às demais correntes de pensamento:

Utilitarismo
A noção utilitária de valor considera, em última análise, como utilidade individual uma determinada condição mental, como satisfação, alegria e atendimento de desejos. Ela é enganosa, pois pode falhar na indicação das privações reais de uma pessoa. Uma pessoa miserável pode não parecer em más condições pela métrica utilitarista, se ela estiver resignada com a vida que leva. Em situações de longa privação, as vítimas não sentem o sofrimento todo tempo, fazendo grandes esforços para encontrar prazer em pequenas coisas, para reduzir seus desejos a proporções modestas, “realistas”. A privação individual, dessa forma, pode não aparecer nas medidas de prazer, atendimento de desejos, etc. mesmo quando a pessoa está impossibilitada de ser adequadamente nutrida, vestida, educada etc.

Economia do desenvolvimento
Boa parte da vasta literatura do desenvolvimento utiliza uma base informacional utilitarista, o que limita os argumentos e a percepção acerca dos reais problemas do desenvolvimento. A abordagem das capacitações é superior às avaliações tradicionais pois a perspectiva da vida humana como combinação de vários funcionamentos e capacitações, e a análise da liberdade humana como aspecto central da vida fornecem uma base sólida para o exercício avaliativo.

Rawls
Este autor enfatiza a obtenção de “bens primários” por parte de diferentes pessoas, e sua teoria da justiça depende em grande medida no estabelecimento das comparações interpessoais. Este procedimento está baseado em bens, como “renda e bem-estar”, além das “liberdades básicas”, “poderes e prerrogativas de si” etc.

Segundo Sen, toda a lista de bens primários de Rawls ocupa-se mais dos meios do que dos fins, tratando de coisas que ajudam a alcançar o que queremos conquistar. Os bens primários são meios para se atingir a liberdade, enquanto as capacitações são expressão da própria liberdade. O problema com a avaliação de Rawls reside no fato de que, mesmo visando a objetivos iguais, a habilidade das pessoas para converter bens primários em funcionamentos é diferente, de tal forma que uma comparação interpessoal baseada na posse de bens primários não consegue refletir, geralmente, o ordenamento de suas reais liberdades na busca de quaisquer (variados) objetivos

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Justiça distributiva e desenvolvimento econômico

O estudo das relações entre ética e economia se fortaleceu nos últimos anos, em especial após a concessão do prêmio Nobel de Economia de 1998 a um estudioso do assunto, Amartya Sen. Contudo, como aponta o autor em seu livro Ética e Economia (2004), essas relações não são novas, de modo que o próprio pai fundador da economia moderna, Adam Smith, professor de filosofia moral em Glasgow, considerava sua seminal obra de economia Investigação sobre as origens e causas da riqueza das nações (1979) uma parte, um subsistema, de seu sistema filosófico mais geral acerca dos sentimentos morais, exposta em sua obra de filosofia A teoria dos sentimentos morais (2002)1.
Embora Sen seja a principal referência entre os economistas sobre as relações tempestuosas entre ética e economia, o recrudescimento do assunto se deveu em grande medida ao filósofo americano John Rawls, que em 1971 publicou sua monumental Uma Teoria da Justiça (2002), na qual formula com rigor a concepção de justiça como equidade, que lhe permite apresentar de maneira convincente uma concepção rigorosa e, ao mesmo tempo, plausível, de justiça distributiva. A concepção igualitária liberal de justiça modifica rapidamente o espectro da cena política, tornando o liberalismo, em sua versão rawlsiana, uma bandeira da “esquerda”, substituindo com vantagens as concepções de inspiração marxista. Dado o impacto da obra de Rawls, as teorias tradicionais de justiça, o utilitarismo, o libertarismo e o marxismo, são forçadas a se reformularem e reapresentarem seus princípios fundamentais, notadamente os princípios da utilidade, liberdade e igualdade com mais clareza e coerência.
A apresentação dessas teorias e suas reformulações a partir do desafio proposto por Rawls constituem o corpo principal deste trabalho, respectivamente, o utilitarismo, o libertarismo, o igualitarismo e o igualitarismo liberal.
O objetivo da análise consiste não apenas em apresentar o posicionamento teórico e a coerência interna de cada uma das teorias da justiça, como também investigar quais são as concepções de cada delas sobre o que é, afinal de contas, uma sociedade desenvolvida, já que essa deve ser, por definição, uma sociedade justa. Desse modo, a busca por desenvolvimento e pelo funcionamento justo das instituições constituem a busca pela mesma coisa. Não há desenvolvimento sem justiça, não há justiça sem desenvolvimento. É lícito, como será apresentado, divergir sobre o que seja a justiça, e quais devem ser as opções de desenvolvimento a seguir, mas essa divergência deve estar baseada em argumentos que possam ser discutidos de forma racional e que possam satisfazer de algum modo nossas intuições morais mais elementares.

Início do TCC apresentado à FCE em julho de 2009.