Mostrando postagens com marcador filosofia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador filosofia. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Lógica informal: ensino e debate público

A discussão abaixo também oriunda do Dadaseyn é a continuação do debate sobre lógica informal:

Com respeito à discussão original - a lógica informal - gostaria de insistir em dois pontos que creio serem fundamentais e constituem-se como tarefas extra-muros da atividade filosófica, que, muito embora no Brasil seja uma atividade quase que estritamente acadêmica, encontra importantes aplicações práticas no debate público.

O primeiro é que, dado o estado-das-artes de nossa cultura pública e cívica, o ensino de conceitos fundamentais para a construção e análise de argumentos tem não apenas aspectos lógicos e epistemológicos, como também um aspecto moral interessantíssimo. Quem quiser um bom exemplo desse aspecto, vale a pena dar uma olhada na análise já referida em post anterior que o César fez de artigo e de editorial do pasquim local. Como já referi outras vezes, a principal denúncia moral de Sócrates contra os Sofistas era, justamente, que sofismavam, ou seja, faziam mau uso das técnicas argumentativas e persuasivas para obterem vantagem pessoal e ludibriarem os incautos. Qualquer semelhança com o uso da palavra que nossos políticos e veículos de comunicação, a grande mídia, fazem atualmente - sofismando loucamente - não é mera coincidência. Nesse sentido, tenho insistido sobre a importância da lógica informal como ferramenta para qualificação, não apenas do discurso científico, como, sobretudo, do discurso corrente no debate público. Como bem notou o César em uma de nossas conversas referindo-se ao Ética Prática de Peter Singer, a exigência da coerência é a primeira das exigências morais. Sem ela não é possível alcançar a verdade, seja ela qual for.

O Eros trouxe uma grata novidade, pelo menos para mim, ao enviar o artigo do Walton sobre o Araucaria. Tenho usado o seu Lógica Informal como livro texto para minhas aulas de lógica por, justamente, permitir uma análise frutífera dos principais contextos argumentativos e das exigências lógicas presentes em cada um deles, que permite distinguir de maneira não técnica bons e maus argumentos. Por exemplo, em contextos de discurso que envolvem o debate forense (cada parte tenta convencer o juri, de modo a obter uma vitória verbal) ou a barganha (cada parte tenta obter o maior ganho possível), o uso de alguns argumentos falaciosos é tolerado. Adicionalmente, como nota Walton, ser um argumento formalmente válido não o impede de ser falacioso. Vejam essa citação do Lógica Informal tirado do valoroso portal de filosofia em língua portuguesa Crítica na Rede:

Algumas falácias são argumentos formalmente válidos, como é o caso da petição de princípio e do falso dilema: «Ou está muito frio ou está muito calor; não está muito frio; logo, está muito calor». tem uma forma válida mas é falacioso porque a primeira premissa não esgota todas as possibilidades: é falsa. Assim, apesar de ser habitual definir falácia como um argumento inválido que parece válido, a definição correcta é «um argumento mau que parece bom» — sendo que um argumento pode ser mau por outros motivos além da invalidade (nomeadamente, por não ser sólido, como é o caso do falso dilema). p.460.

Finalmente, o segundo ponto, diz respeito ao ensino de filosofia em geral e da lógica informal em particular para alunos que não serão futuros filósofos, mas advogados, jornalistas, economistas etc, os "formadores de opinião". O ensino da lógica informal constitui um imenso, significativo e inexplorado filão, que desperta o interesse e atenção de um grande número de profissões que trabalham com a palavra escrita e não encontram nos bancos escolares - em nenhum nível - um estudo introdutório sobre o uso correto de técnicas argumentativas e, especialmente, as exigências da coerência na argumentação. Muito embora seja verdade que as aulas de português, em seus níveis mais avançados tratem desses assuntos, a tarefa de destrinchar argumentos e analisar suas condições de validade é uma tarefa própria e inescapavelmente filosófica (Uma boa dica de um livro de português que toca nessas questões é o Comunicação em Prosa Moderna do Othon Garcia).

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Questões para concurso aleatório em filosofia

Sugestão de uma prova de filosofia moderna no formato concurso aleatório:

Aguarde o sorteio e responda somente à questão sorteada.

1) Por que Kant passeava todos os dias no mesmo horário? Quem foi o responsável pelo seu único atraso? Relacione esse fato à sua doutrina da autonomia moral na Fundamentação da Metafísica dos Costumes.

2) Em que data Hobbes nasceu e por que sua mãe quis pari-lo o mais rápido possível? Relacione sua resposta com a ameaça da Invencível Armada sobre a Inglaterra e o papel do medo em sua doutrina do contrato social.

3) Que língua os barqueiros que pretendiam roubar e matar Descartes falavam? Explique e fundamente a reação do filósofo a partir de sua moral provisória.

4) Nietzsche era onanista? Por quê? Desenvolva sua resposta a partir do relacionamento do filósofo com Wagner e analise a Cavalgada das Walkírias nesse contexto.

5) Quais eram as armas que Maquiavel apresentou para o esquadrão de infantaria pesada em sua obra A arte da Guerra? Fundamente sua resposta a partir dos Discursos Sobre a Primeira Década de Tito Lívio.

6) Quem era a rapariga pega em flagrante com Schopenhauer, quando ele atirou uma bisbilhoteira idosa escada abaixo? Quanto tempo ela demorou para morrer? Quanto ele pagou de indenização? Explique a atitude do filósofo através da doutrina das virtudes exposta em O Mundo como Vontade e Representação.

7) Por que Rousseau achava que os selvagens brasileiros eram bons? Qual a relação dessa doutrina com o contrato social e com a presunção de inocência em nosso sistema penal?

8) Qual era a raça do cachorro que Leibniz ensinou a falar? Quantas palavras ele aprendeu? Quanto tempo foi despendido pelo filósofo nesta tarefa? Por que a voz do cachorro era gutural? Qual a explicação do filósofo para esse fato? Relacione o método pedagógico utilizado por Leibniz com sua doutrina da monadologia.

As respostas serão avaliadas conforme a sua relevância filosófica.
Respostas de cunho pessoal, histórico, psicológico ou social não serão toleradas, implicando o imediato indeferimento da candidatura.
Serão aceitas provas apenas com esferográfica preta.
Não serão aceitas rasuras.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Máximas

Abaixo, palhinha do texto Máximas, de Christel Fricke, apresentado no X Kant-Kongress que aconteceu em São Paulo em 2005. O texto foi traduzido por mim e por Gerson Neuman em 2008 e publicado na revista Contingentia - revista do setor de alemão da UFRGS. Atualmente, Fricke é diretora do Centro de Estudos sobre Normatividade na Universidade de Oslo, com estudos publicados sobre a filosofia estética de Kant e o agente imparcial de Adam Smith. Ela é, certamente, uma das pessoas das quais vale a pena acompanhar o trabalho para saber o que de mais relevante está acontecendo em filosofia hoje.

“Máximas” - este é um conceito-chave da filosofia moral de Kant. As razões para essa função-chave são manifestamente: a qualidade moral de uma ação depende da qualidade da Máxima que a fundamenta – essa a tese kantiana. Trata-se, conforme Kant, na avaliação moral de uma ação, não de suas conseqüências reais ou de uma ação como acontecimento observável em uma determinada localização espaço-temporal, mas sim do caráter a partir do qual uma pessoa praticou a ação. Isso tudo não é discutido. Contudo é notoriamente obscuro o que exatamente é compreendido por “Máximas” e como as “Máximas” podem ser inseridas em uma psicologia moral plausível.

Pelo termo “Caráter” nós pensamos primeiramente na intenção a partir da qual uma ação é assumida. A qualidade moral de uma ação torna-se dependente da intenção que lhe fundamenta, o que nos é inteiramente sabido. Se Lars pisar no pé de Lise e Lise se queixar com as palavras “Lars pisou no meu pé; ele não o fez acidentalmente, mas sim com intenção”, então ela se queixa menos da dor sentida do que da má intenção moral de Lars. Intenções são estados de espírito bem determinados de uma pessoa, estados do querer de uma determinada ação. A intenção de Lars, que está implícita em relação a Lise, é a intenção de, num determinado momento, lhe pisar no pé e, com isso, lhe machucar. Mas nós não devemos entender máximas simplesmente como intenções. Máximas não são, segundo Kant, estados de espírito singulares determinados, espaço-temporalmente localizados de uma pessoa, que quer realizar uma determinada ação, mas sim fundamentos práticos subjetivos, “sob as quais repousam diversas regras práticas” (KpV, §1, Cf. Erklärung). Como fundamentos, as máximas são princípios gerais. E é essa universalidade das máximas, sobre a qual repousa especialmente o interesse de Kant, pois, conforme a regra moral kantiana, só é moralmente boa a ação que uma pessoa pratica, cuja vontade é determinada por uma máxima, da qual essa pessoa possa querer que ela “deva se tornar uma lei universal da natureza” (GMS, AAIV, 421). Testar uma ação a partir de sua qualidade moral significa testá-la conforme essa formulação, se se poderia querer que as máximas que lhe servem de base devem se tornar uma lei universal da natureza, ou seja, se, sobretudo, for possível fazer dessa máxima uma lei da natureza.

(...)

Mais em: http://www.seer.ufrgs.br/index.php/contingentia/article/view/6766/4072

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Sócrates e a voz da Deusa

Sócrates é uma personagem ímpar na história da filosofia. Ao inventar novo método de investigação, cuja principal ferramenta é o discurso, não legou nada escrito à posteridade, muito embora seja pela tradição escrita, a partir dos diálogos de Platão, que a filosofia amadurecerá como arte da busca da verdade. As fontes que testemunharam as interpelações de Sócrates aos cidadãos de Atenas são poucas e nos fornecem somente quadro parcial do feioso e singularíssimo patrono da filosofia. Além de Platão, Xenofonte e Aristófanes nos deixaram registros do mestre.
Na Apologia de Sócrates, diálogo escrito por Platão em que narra o julgamento de Sócrates frente à Assembléia de Atenas, ao encerrar sua defesa, num dos momentos mais dramáticos,da história da filosofia, Sócrates se dirige aos seus juízes da seguinte forma:
"A mim, de fato, ó juízes (...) aconteceu qualquer coisa de maravilhoso. Aquela voz habitual da deusa (daimon) em todos os tempos passados me era sempre freqüente e se opunha ainda mais nos pequeninos casos, cada vez que fosse para fazer alguma coisa que não estivesse muito bem. Ora, aconteceram-me estas coisas, que vós mesmos estais vendo e que, decerto, alguns julgariam e considerariam o extremo dos males; pois bem, o sinal da deusa não se me opôs, nem esta manhã, ao sair de casa, nem quando vim aqui, ao tribunal, nem durante todo o discurso. Em todo este processo, não se opôs uma só vez, nem a um ato, nem a palavra alguma. Qual suponho que seja a causa? Eu vo-la direi: em verdade este meu caso arrisca ser um bem, e estamos longe de julgar retamente, quando pensamos que a morte é um mal.."
Essa passagem ilustra com a força e a poesia características da prosa de Platão a tarefa do filósofo: a busca da verdade, uma exigência moral que é superior à própria existência de quem a procura. É a deusa da verdade que fala para Sócrates. De fato, é a busca da verdade a novidade trazida por Sócrates à arte de bem argumentar. Adicionalmente, Sócrates também inaugura a exigência da coerência no discurso. Os sofistas, os grandes adversários de Socrates, eram, em geral, professores de retórica, cuja arte visava o convencimento. As técnicas eram ensinadas ao orador de modo que ele pudesse se fazer ouvir nas Assembléias da cidade, onde as questões vitais eram discutidas pelos atenienses. Sócrates impunha a condição da coerência aos narradores e ironizava a constante mudança de opinião dos sofistas sobre os temas que eram postos em debate. Na prática, Sócrates também foi o inventor do princípio de não-contradição nas investigações filosóficas. Desse modo, a arte da filosofia atinge a sua maturidade ao ter objeto e método claramente delimitados: a verdade como conteúdo e a coerência como método constituem as grandes balizas da investigação filosófica até hoje.
Por dar ouvidos à deusa da verdade, Sócrates se considerava perseguido pelos cidadãos de Atenas, já que estes não conseguiam enxergar em sua filosofia nada mais do que a arte da intromissão-nos-assuntos-alheios. Para alguns, a voz da deusa soava como sinal de senilidade, como bem mostrava o embaraço de proeminentes cidadãos de Atenas ao serem questionados por Sócrates sob temas que, embora afirmassem que sabiam, de fato, não sabiam. Seja como for, será que hoje, em tempo de produtividade de papers e filosofia acadêmica, daríamos ouvidos a alguém que ouvisse a voz da deusa?

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Filósofo: merecedor de açoites

Abaixo segue o ataque de Cálicles à filosofia como profissão.
A censura ao filósofo, Sócrates, encontra-se no Górgias de Platão.
Certamente é o ataque mais eloqüente contra a filosofia que já li.
Cada vez me impressiono mais com Platão: de fato, está tudo ali.

A filosofia, Sócrates, é de fato, muito atraente para quem a estuda com moderação na mocidade, porém acaba por arruinar quem a ela se dedica mais tempo do que fora razoável. Por bem dotada que seja uma pessoa, se prosseguir filosofando até uma idade avançada, forçosamente ficará ignorando tudo o que importa conhecer o cidadão prestante e bem-nascido que ambicionar distinguir -se. De fato, não somente desconhecerá as le is da cidade, como a linguagem que será preciso usar no trato público ou particular, bem como carecerá de experiência com relação aos prazeres e às paixões e ao caráter geral dos homens. Logo que procuram ocupar-se com seus próprios negócios ou com a política, tornam-se ridículos, como ridículos, a meu ver, também se tornam os políticos que se dispõem a tomar parte em vossas reuniões e vossas disputas. Aplicam-se-lhes as palavras de Eurípides, quando diz que todo indivíduo brilha naquilo em que aplica a maior parte de seus dias e entre todos os outros se distingue. Mas evita e critica aquilo em que é inferior, elogiando o oposto, levado pelo sentimento de parcialidade, o que é uma maneira de elogiar a si mesmo. No meu modo de pensar, o certo será ocupar-se com ambas as coisas. É belo o estudo da filosofia até onde for auxiliar da educação, não sendo essa atividade desdouro para os moços. Mas prosseguir nesse estudo até idade avançada, é coisa supinamente ridícula, Sócrates, reagindo eu à vista de quem assim procede como diante de quem se põe a balbuciar e brincar como criança. Quando vejo uma criança na idade de falar dessa maneira, balbuciando e brincando, alegro-me e acho encantador o espetáculo, digno de uma criatura livre e muito de acordo com aquela fase da existência; porém se ouço uma criaturinha articular com correção as palavras, doem-me os ouvidos e acho por demais forçado essa maneira de falar, que se me afigura linguajar de escravos. Pelo contrário, um adulto falar ou brincar como criança é procedimento ridículo, indigno de homens e merecedor de açoites. É precisamente isso que se dá comigo com relação aos que se dedicam à filosofia. Alegra -me o espetáculo de um adolescente que se aplica no estudo dessa matéria; assenta -lhe bem semelhante ocupa ção, muito própria de um homem livre, como considero inferior e incapaz de realizar alguma ação bela e generosa quem nessa idade descura da filosofia. Mas, quando vejo um velho cultivá-la a destempo, sem renunciar a tal ocupação, um homem nessas condiçõe s, Sócrates, para mim é merecedor de açoites. Como disse há pouco, quem assim procede, por mais bem-dotado que seja, deixa de ser homem; foge do coração da cidade e das assembléias, onde, exclusivamente, no dizer do poeta, os homens se distinguem, para meter-se num canto o resto da vida, a cochichar com três ou quatro moços, sem jamais proferir um discurso livre, grande ou generoso.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

A natureza da retórica no Górgias de Platão: combate

Abaixo, trecho do Górgias de Platão, onde Sócrates e o sofista Górgias de Leontino discorrem sobre a natureza da arte retórica.

Sócrates — E, por isso mesmo que tal fato me causa admiração, Górgias, é que há muito te venho interrogando sobre a natureza da retórica. Afigura-se-me algo sobre -humano, quando a considero por esse prisma.
XI — Górgias — Quanto mais se soubesses tudo, Sócrates;: a retórica, por assim dizer, abrange o conjunto das artes, que ela mantém sob sua autoridade. Vou apresentar-te uma prova eloqüente disso mesmo. Por várias ve zes fui com meu irmão ou com outros médicos à casa de doentes que se recusavam a inge rir remédios ou a deixar-se amputar ou cauterizar; e, não conseguindo o médico persuadi-lo, eu o fazia com a ajuda exclusivamente da arte da retórica. Digo mais: se na cidade que quiseres, um médico e um orador se apresentarem a uma assembléia do povo ou a qualquer outra reunião para argumentar sobre qual dos dois deverá ser escolhido como médico, não contaria o médico com nenhuma probabilidade para ser eleito, vindo a sê-lo, se assim o desejasse, o que soubesse falar bem. E se a competição se desse com representantes de qualquer outra profissão, conseguiria fazer eleger-se o orador de preferência a qualquer outro, pois não há assunto sobre que ele não possa discorrer com maior força de persuasão diante do público do que qualquer profissional. Tal é a natureza e a força da arte da retórica! Contudo, Sócrates, a retórica precisa ser usada como as demais artes de competição; essas artes não devem ser empregadas indiferentemente contra toda a gente; o pugilista, o pancratiasta ou o lutador armado, porque em sua arte contam com a prática e se tornaram nesse terreno superiores a amigos e inimigos, não deverão, só por isso, bater nos amigos, feri-los, nem matá -los. Nem, por Zeus! no caso de haver alguém freqüentado o estádio e se tornado robusto e hábil boxador, e que depois venha a bater no pai ou na mãe, ou em qualquer parente ou amigo, não é por isso, dizia, que devemos perseguir os professores de ginástica e de esgrima, e expulsá-los da cidade. Pois estes transmitiram a outros seus conhecimentos para serem usados com justiça contra inimigos e ofensores, e apenas em defesa própria, não para atacar. Os alunos é que perverteram esses ensinamentos e empregaram mal a própria força e habilidade. Os professores não são ruins nem é má em si mesma a arte, ou responsável por tais abusos, mas, segundo penso, os que não a exercem devidamente. Idênticos argumentos va lem para a arte da retórica. É fora de dúvida que o orador é capaz de falar contra todos a respeito de qualquer assunto, conseguindo, por isso mesmo, convencer as multidões melhor do que qualquer pessoa, e, para dizer tudo, no assunto que bem lhe parecer. Porém não será por isso que ele irá privar o médico de sua fama — o que lhe seria possível — nem qualquer outro profissional. Pelo contrário, deverá usar a retórica com justiça, como qualquer outro gênero de combate. Se um indivíduo que se tornou orador vier a fazer mau uso da força e da habilidade, não é seu professor, quero crer, que deverá ser perseguido e expulso da cidade. O professor transmitiu seus conhecimentos para serem bem aplicados; foi o aluno que fez mau uso deles. Esse, por conseguinte, que os aplicou mal, é que merece ser perseguido, expulso ou morto, não o professor

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Critérios do CA Filosofia para conceder título de pesquisador IA

o CA de filosofia tomará como parâmetro, flexibilizado segundo as circunstâncias, o seguinte modelo com os índices quantitativos definidos na seqüência, a saber:

1 – livros: distinguidos em várias categorias (autoral, divulgação, organização), 1 (um) livro autoral a cada 5 (cinco) anos e 1 (um) de divulgação a cada 3 (três) anos, sem maior precisão quanto aos livros organizados pelo pesquisador, em razão de sua natureza eventual;

2 – capítulos de livro: 1 (um) a cada 2 (dois) anos;

3 – artigos: 2 (dois) por ano;

4 – teses e dissertações: 3 (três) orientações em curso no ano;

5 – congressos: 1 (um) congresso nacional por ano; 1 (um) internacional a cada 2 (dois) anos.

Não será auferido o impacto das publicações, inexistente na área.

A realização in totum desses parâmetros não é obrigatória, podendo haver compensação entre uns e outros, a juízo do CA.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

A retórica da filosofia

Tenho me interessado muito por retórica, desde o nascimento da filosofia por oposição a ela, e suas relações com a democracia e com a filosofia. O ponto de partida dessa discussão encontra-se no Górgias, onde Platão usa a arte retórica para desacreditar por milênios os sofistas que ensinavam em Atenas, colocando no mesmo saco pensadores que, muitas vezes, não tinham a menor relação teórica entre si. Alguns dos sofistas eram, ao contrário de Platão, defensores da democracia de Atenas, do qual, talvez, o exemplo mais ilustre é o de Protágoras. Para quem não o conhece, vale a pena dar uma olhada no Epimeteu - o mito da Criação do Homem, que está no diálogo Protágoras de Platão. É verdade que Trasímaco, outro célebre sofista retrato por Platão no Livro I da República, defendia a justiça como interesse do mais forte, mas o seu discípulo Lísias, filho de Céfalo - também personagem do Livro I da República, se ofereceu para fazer a defesa de Sócrates frente a Assembléia de Atenas. Sócrates recusa, por coerência filosófica, que um sofista fizesse a sua defesa, uma vez que o seu objetivo não era demonstrar a verdade para platéia, mas sim convencê-la por meios ludibriosos. Seja como for, Lísias teria conseguido mais do os 221 votos conseguidos por Sócrates, que ironiza a Assembléia ao se dizer surpreso com a votação pró que ele conseguiu perseguindo a verdade.
Aristóteles resgata a arte necessária à democracia em sua Retórica e, tal como aconteceu com a lógica, foi grande referência da área durante milênios. A lógica é superada somente no século XIX, de modo que Kant chegou a afirmar que o conhecimento nessa área não havia avançado um passo desde a sua sistematização por Aristóteles. A retórica, por sua vez, encontra uma ampliação e sistematização somente no século XX com o Tratado da Argumentação de Perelman. Neste, a idéia de auditório é ampliada, abstraindo das condições, digamos assim, empíricas, dos auditórios particulares e se preocupando com as técnicas retóricas tanto para a argumentação lógica, quanto para a argumentação quasi-lógica, onde metáforas, exemplos, analogias, etc. são recursos utilizados pelo orador em assuntos onde a certeza não é possível, onde o provável ou o verossímil são os únicos critérios possíveis de serem utilizados na persuasão racional.

sábado, 3 de fevereiro de 2007

O duplo papel da síntese: com-por e com-preender

Brum Torres em seu artigo Intuição cognitiva e pensamento de re apresenta um problema exegético fundamental para a Crítica da Razão Pura: como conciliar as doutrinas kantinas da Estética Transcendental com as da Analítica Transcendental. O problema consiste em conciliar a tese de que as intuições são cognições de objetos com a tese de que toda percepção envolve necessariamente uma síntese - ato do entendimento - e, portanto, todo objeto do conhecimento, propriamente falando, é sempre e somente produto de um juízo. Da tese da Analítica se segue que é absurdo sustentar que as intuições sejam ditas, em algum sentido relevante, cognições, pois cognições propriamente ditas somente ocorrem com o ato do juízo. Desse modo, quando abro os olhos pela manhã, para haver cognição de qualquer natureza, devo sempre estar fazendo juízos. Tese certamente contra-intuitiva e, se encontra base nos textos de Kant, certamente não dá conta da experiência cotidiana de nossa percepção, na qual passamos momentos felizes contemplando o teto do quarto de dormir ou paisagens sem pensarmos em nada. Adicionalmente, há o agravante denunciado por Brum Torres de que essa segunda interpretação implica, do ponto de vista exegético, em rasgar a Estética Transcental, abandonando a doutrina das intuições, para se ater somente à doutrina do juízo presente na Analítica Transcendental.

Como solução para o problema acima apresentado de conciliar as doutrinas da Crítica da Razão Pura sem amputar uma de suas partes, reconhecidamente a maior inovação teórica da primeira Crítica, pois permite delimitar os objetos do conhecimento aos limites da experiência possível, Brum Torres chama atenção para um texto de Heidegger, onde o filósofo alemão explica a síntese como um processo essencial e originalmente ambíguo. Por um lado, síntese significa com-por, isto é o ato primário e originário de pôr junto, de intuir uma totalidade. Quando apreendo uma série: PALAVRA, por exemplo, há um sentido em que o todo com-põe uma figura diferente da mera soma de suas partes. O con-junto dos sinais gráficos que com-põe a série acima é a soma de diversas percepções consideradas con-juntamente, isto é, sintetizadas enquanto dadas. Este primeiro nível de apreensão, onde ainda não intervém as atividades do entendimento, chamaremos pa-lavra, para diferenciar do objeto já com-preendido pelo entendimento. A com-posição dos sinais gráficos qua pa-lavra, é tarefa da sensibilidade, a faculdade que dá objetos (e não meramente impressões ou sensações).

A pa-lavra pode comportar cargas semânticas diversas. Palavras homônimas como banco (de sentar) e banco (instituição de crédito) fornecem um bom exemplo de casos em que a mesma intuição - fruto de uma com-posição que resulta em um mesmo con-junto de sinais, a mesma pa-lavra - fornecem cargas semânticas diferentes. É somente nesse segundo nível da percepção que intervém o outro sentido da síntese apresentado por Heidegger. Nesse caso, a síntese é um ato de espontaneidade do entendimento, é uma com-preensão. A com-preensão da pa-lavra resulta na apreensão de sentido e significado. Com-preendo banco como um objeto onde as pessoas sentam ao com-preender o contexto onde tal pa-lavra se encontra no ato do juízo. Quando com-preendo que Casa é o correlato semântico de Haus, realizo uma operação sintética do entendimento, julgo, a pa-lavra portuguesa Casa e a pa-lavra alemã Haus, como possuindo o mesmo significado. Tal operação é realizada pelo entendimento, ainda que pressuponha uma síntese prévia, a da com-posição da pa-lavra, realizada pela faculdade da sensibilidade.