Pollock, do Wall Street Journal, fez o seguinte comentário sobre o prêmio Nobel concedido a Amartya Sen: [seu trabalho] “tem feito pouco mais do que dar voz a visões estúpidas de esquerda que dominam o seu mundo”. Segundo Evans, essa reação frente a um trabalho elegante, logicamente bem argumentado e formalmente bem construído é histérica.
Utilizando a apresentação sintética da teoria de Sen feita em Desenvolvimento como Liberdade, Evans sugere que a reação defensiva do WSJ correta, pois a teoria lá exposta desafia a visão de mundo conservadora do WSJ muito mais do que as citações elogiosas de Sen a Adam Smith sugerem.
O desafio da abordagem das capacitações
O desenvolvimento deve ser avaliado em termos da expansão das capacitações, de modo que as pessoas possam viver as vidas que elas valorizam – e têm razão para valorizar. Esta é definição de liberdade de Sen. Educação, saúde e direitos das mulheres são eles mesmos constitutivos do desenvolvimento, fins em si mesmos.
Evans considera que a abordagem das capacitações contribui não somente para uma ampliação do conceito de desenvolvimento, mas também para uma efetiva utilização da escolha social, longamente estudada por Sen. Incentivados pela análise de Arrow sobre a impossibilidade das escolhas coletivas, os economistas de um modo geral pouco enfatizam a importância do debate político e da discussão no estabelecimento de metas para o desenvolvimento.
Sen ataca essa relutância com uma efetividade impressionante.
1) Usando suas habilidades em análise formal, ele argumenta que o aumento da quantidade de informações levadas em consideração na tomada de decisão recolocam em cena a questão da escolha social.
2) Tendo mostrado formalmente que a escolha social é possível, Sen sugere que ela é necessária, utilizando dois sub-argumentos:
a. renda real é uma métrica analiticamente inadequada para comparações de bem-estar;
b. os esforços utilitaristas para reduzir o bem-estar a algo homogêneo é igualmente inadequado. É preciso explicitar os diferentes pesos dos diferentes fatores que compõem a qualidade de vida (ou bem-estar) e então debater publicamente os pesos atribuídos às preferências que devem nortear o desenvolvimento.
A consequência da argumentação de Sen é dupla:
1) Desenvolvimento como expansão das capacitações da cidadania implica em um conjunto muito diferente de decisões alocativas e estratégias de crescimento.
2) Ela implica que escolhas sobre essas alocações e estratégias devem ser democráticas, não num sentido fino de eleições e mudança de representantes periodicamente, mas num sentido robusto, à medida que a democracia é uma coisa boa, um fim do desenvolvimento, por si só, que aprimora constantemente a cidadania ao permitir que os cidadãos participem das decisões públicas e estabeleçam, no fim das contas, os fins almejados do desenvolvimento.
É o segundo aspecto do pensamento de Sen que incomoda o comentarista do WSJ segundo Evans.
Contudo, prossegue Evans, a análise de Sen foca o indíviduo e não explora as implicações mais gerais que sua concepção de desenvolvimento enseja. Capacitações individuais dependem de capacitações coletivas. Do mesmo modo, ele não explora o fato de que a concentração do poder econômico sobre os meios de produção e difusão culturais podem e, de fato, comprometem a capacidade de decidir as coisas que as pessoas têm razão em valorizar.
Evans avança em sua análise argumentando que a coletividade organizada – partidos políticos, associações, conselhos distritais, grupos de mulheres, ONGs etc – são fundamentais para que os indivíduos possam escolher o que eles têm razão para valorizar. Essas organizações fornecem a arena para formular valores e preferências, bem como constroem os meios para alcançá-los, mesmo em face de poderosa oposição.
O que Sen não destaca no caso do Estado de Kerala, segundo Evans, é que o clima de discussão e debate que ele elogia está construído sobre a base de organizações sociais bem organizadas e mobilizadas, começando pelos partidos políticos e uniões comerciais. Estes veículos organizacionais fazem o processo deliberativo celebrado por Sen possível. Apoiar o desenvolvimento de ações coletivas é, desse modo, central para a expansão da liberdade.
Sugestões de Evans:
Políticas públicas que explicitamente reconheçam a importância da ação coletiva, facilitando sua ação por meio de organizações civis, bem como removendo obstáculos ao seu bom funcionamento, são essenciais para o desenvolvimento como liberdade.
Por outro lado, também falta uma análise, a partir dos pressupostos da abordagem das capacitações, de quais os processos de mercado podem se constituir como impedimento aos processos deliberativos de formação de preferências, que é essencial para a expansão das capacitações.
Evans considera que Sen não explora as maneiras pelas quais as influências de “condicionamento mental” podem sistematicamente refletir os interesses dos grandes grupos econômicos e do poder político. Muito embora Sen reconheça que “o sol não se ponha no império da cola-cola ou da MTV”, ele não explora as implicações desses impérios sobre as habilidades das pessoas escolherem a vida que elas têm razão para valorizar.
Explicitar as contradições entre desenvolvimento como liberdade e um crescente aumento da concentração de poder sobre a produção cultural, informação, e, portanto, das preferências traz novamente a questão das capacitações coletivas.
Sugestão de Evans: A maneira mais óbvia de estabelecer um contraponto à não-liberdade dos impérios da Coca-cola e da MTV é promover uma vibrante vida associativa que capacita os menos privilegiados a desenvolver suas próprias e distintivas preferências, bem como estabelecer prioridades baseadas sobre posições econômicas partilhadas e circunstâncias de vida, desenvolvendo estratégias para perseguir essas preferências de maneira autônoma.
Desse modo, Evans considera as contribuições de Sen preciosas, mas a análise do desenvolvimento como liberdade deve ir além dos argumentos que ele apresentou. Deve ser consequente e explicitar melhor o papel que as capacitações coletivas desempenham para a realização da liberdade, levando em conta os condicionantes de mercado que interferem nos processos de formação de preferências coletivo.
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