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quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

A natureza da retórica no Górgias de Platão: combate

Abaixo, trecho do Górgias de Platão, onde Sócrates e o sofista Górgias de Leontino discorrem sobre a natureza da arte retórica.

Sócrates — E, por isso mesmo que tal fato me causa admiração, Górgias, é que há muito te venho interrogando sobre a natureza da retórica. Afigura-se-me algo sobre -humano, quando a considero por esse prisma.
XI — Górgias — Quanto mais se soubesses tudo, Sócrates;: a retórica, por assim dizer, abrange o conjunto das artes, que ela mantém sob sua autoridade. Vou apresentar-te uma prova eloqüente disso mesmo. Por várias ve zes fui com meu irmão ou com outros médicos à casa de doentes que se recusavam a inge rir remédios ou a deixar-se amputar ou cauterizar; e, não conseguindo o médico persuadi-lo, eu o fazia com a ajuda exclusivamente da arte da retórica. Digo mais: se na cidade que quiseres, um médico e um orador se apresentarem a uma assembléia do povo ou a qualquer outra reunião para argumentar sobre qual dos dois deverá ser escolhido como médico, não contaria o médico com nenhuma probabilidade para ser eleito, vindo a sê-lo, se assim o desejasse, o que soubesse falar bem. E se a competição se desse com representantes de qualquer outra profissão, conseguiria fazer eleger-se o orador de preferência a qualquer outro, pois não há assunto sobre que ele não possa discorrer com maior força de persuasão diante do público do que qualquer profissional. Tal é a natureza e a força da arte da retórica! Contudo, Sócrates, a retórica precisa ser usada como as demais artes de competição; essas artes não devem ser empregadas indiferentemente contra toda a gente; o pugilista, o pancratiasta ou o lutador armado, porque em sua arte contam com a prática e se tornaram nesse terreno superiores a amigos e inimigos, não deverão, só por isso, bater nos amigos, feri-los, nem matá -los. Nem, por Zeus! no caso de haver alguém freqüentado o estádio e se tornado robusto e hábil boxador, e que depois venha a bater no pai ou na mãe, ou em qualquer parente ou amigo, não é por isso, dizia, que devemos perseguir os professores de ginástica e de esgrima, e expulsá-los da cidade. Pois estes transmitiram a outros seus conhecimentos para serem usados com justiça contra inimigos e ofensores, e apenas em defesa própria, não para atacar. Os alunos é que perverteram esses ensinamentos e empregaram mal a própria força e habilidade. Os professores não são ruins nem é má em si mesma a arte, ou responsável por tais abusos, mas, segundo penso, os que não a exercem devidamente. Idênticos argumentos va lem para a arte da retórica. É fora de dúvida que o orador é capaz de falar contra todos a respeito de qualquer assunto, conseguindo, por isso mesmo, convencer as multidões melhor do que qualquer pessoa, e, para dizer tudo, no assunto que bem lhe parecer. Porém não será por isso que ele irá privar o médico de sua fama — o que lhe seria possível — nem qualquer outro profissional. Pelo contrário, deverá usar a retórica com justiça, como qualquer outro gênero de combate. Se um indivíduo que se tornou orador vier a fazer mau uso da força e da habilidade, não é seu professor, quero crer, que deverá ser perseguido e expulso da cidade. O professor transmitiu seus conhecimentos para serem bem aplicados; foi o aluno que fez mau uso deles. Esse, por conseguinte, que os aplicou mal, é que merece ser perseguido, expulso ou morto, não o professor

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

A retórica da filosofia

Tenho me interessado muito por retórica, desde o nascimento da filosofia por oposição a ela, e suas relações com a democracia e com a filosofia. O ponto de partida dessa discussão encontra-se no Górgias, onde Platão usa a arte retórica para desacreditar por milênios os sofistas que ensinavam em Atenas, colocando no mesmo saco pensadores que, muitas vezes, não tinham a menor relação teórica entre si. Alguns dos sofistas eram, ao contrário de Platão, defensores da democracia de Atenas, do qual, talvez, o exemplo mais ilustre é o de Protágoras. Para quem não o conhece, vale a pena dar uma olhada no Epimeteu - o mito da Criação do Homem, que está no diálogo Protágoras de Platão. É verdade que Trasímaco, outro célebre sofista retrato por Platão no Livro I da República, defendia a justiça como interesse do mais forte, mas o seu discípulo Lísias, filho de Céfalo - também personagem do Livro I da República, se ofereceu para fazer a defesa de Sócrates frente a Assembléia de Atenas. Sócrates recusa, por coerência filosófica, que um sofista fizesse a sua defesa, uma vez que o seu objetivo não era demonstrar a verdade para platéia, mas sim convencê-la por meios ludibriosos. Seja como for, Lísias teria conseguido mais do os 221 votos conseguidos por Sócrates, que ironiza a Assembléia ao se dizer surpreso com a votação pró que ele conseguiu perseguindo a verdade.
Aristóteles resgata a arte necessária à democracia em sua Retórica e, tal como aconteceu com a lógica, foi grande referência da área durante milênios. A lógica é superada somente no século XIX, de modo que Kant chegou a afirmar que o conhecimento nessa área não havia avançado um passo desde a sua sistematização por Aristóteles. A retórica, por sua vez, encontra uma ampliação e sistematização somente no século XX com o Tratado da Argumentação de Perelman. Neste, a idéia de auditório é ampliada, abstraindo das condições, digamos assim, empíricas, dos auditórios particulares e se preocupando com as técnicas retóricas tanto para a argumentação lógica, quanto para a argumentação quasi-lógica, onde metáforas, exemplos, analogias, etc. são recursos utilizados pelo orador em assuntos onde a certeza não é possível, onde o provável ou o verossímil são os únicos critérios possíveis de serem utilizados na persuasão racional.

terça-feira, 15 de julho de 2008

A arte retórica e a subordinação à política

Em investigação sobre os motivos que levaram Aristóteles a escrever a sua Arte Retórica, Carnes Lord aponta a subordinação da arte retórica à arte política, considerando a primeira como meramente instrumental. Nesse aspecto há grande convergência entre o pensamento de Platão e de Aristóteles. O artigo provém dos alfarrábios aristotélicos-eletrônicos de Monsieur Zilligê

Na conclusão, Lord escreve:


"A intenção última da 'Retórica' é, então, não tanto transformar a prática da retórica quanto transformar o entendimento teórico e conceitual da retórica pelo homem político. Aristóteles está preocupado sobretudo em mostrar que a retórica pode se tornar um instrumento da prudência política ou da ciência política que educa para a prudência. De fato, a arte da retórica de Aristóteles pode permitir-se incorporar elementos sofísticos moralmente questionáveis precisamente porque é finalmente ao serviço da ciência política que se encontra a preocupação central referente à educação do homem político, tanto na virtude moral, quanto naquela variedade da prudência que é inseparável da virtude moral. Neste aspecto fundamental, Aristóteles permanece, eu acredito, um autêntico intérprete da visão de Platão acerca da natureza da retórica. Pois a diferença fundamental entre a concepção sofística e a filosófica trata, não tanto da moralidade da retórica, quanto da exigência da retórica com status de uma arte autônoma ou de uma ciência. Se Platão e Aristóteles discordam acerca do caráter da ciência política à qual a retórica deve ser estar subordinada, eles possuem um acordo fundamental no tocante à necessidade de tal subordinação".

The Intention of Aristotle's 'Rhetoric'. p. 338-9. Minha (livre) tradução