Talvez a idéia de que ninguém deva ficar abaixo da linha da pobreza seja uma idéia moderna, pois, até onde eu sei, não havia sido desenvolvido o conceito de linha de pobreza ou outro conceito análogo em Atenas.
Agora, Platão trata com profundidade a questão na República, o livro em que trata sistematicamente da justiça. Lá, uma das condições fundamentais para uma sociedade justa é existência de uma classe de produtores, que fazem justiça ao fazerem o que sabem fazer melhor, produzir.
Bom, aproveitei e fui dar uma conferida no Górgias, onde o tema da justiça e da economia também são tratados e lá encontrei água para o moinho do Fleischacker. Veja a conclusão da argumentação de Sócrates contra Polo:
Sócrates — Logo, a economia livra da pobreza; a medicina, da doença; e o castigo, da intemperança e da injustiça.
Polo — Parece.
Sócrates — E de todas elas, qual será a mais bela?
Polo — A que te referes?
Sócrates — Economia, medicina, justiça.
Polo — Sem comparação, Sócrates, a justiça.
Podemos inferir dessa conclusão que economia e justiça são diferentes pois não havia, digamos assim, remédio normativo contra a pobreza (leis, projetos públicos, bolsas, etc). Ou seja, as condições materiais não estavam sob controle direto das instituições sociais. Algo bem diferente do que acontece em Rawls, onde se pressupõe que os bens sociais principais possam ser corretamente mensurados para poderem ser distribuídos.
Certamente a aproximação do problema da pobreza com o problema da justiça está associado com o desenvolvimento conceitual da economia e com o avanço das técnicas de mensuração da riqueza. A econometria, por exemplo, a grande ferramenta para formulação e execução de políticas econômicas é uma ciência bebê, com apenas 60 anos.É possível pensar nesse caso num argumento análogo ao utilizado por Hans Jonas no seu Princípio Responsabilidade, quando afirma que os conceitos éticos na Grécia Antiga tratavam apenas e exclusivamente de questões humanas. Com o aperfeiçoamento da técnica e o conseqüente domínio da natureza, o homem passa a ter um poder sobre a natureza que não tinha antes. Dessa feita, os conceitos éticos devem ser ampliados de modo que abarquem também a natureza. Não havia responsabilidade pelas nossas florestas porque não podíamos destruí-las. Agora que podemos, somos, ao contrário de quando não podíamos, moralmente responsáveis por elas.Do mesmo modo, antes a pobreza não era um problema moral (melhor colocado, um problema de justiça) porque não se podia fazer nada - a não ser caridade - para aplacá-la. Hoje, com o atual grau de desenvolvimento das forças produtivas é possível eliminar a pobreza: é algo que está ao nosso alcance fazer; portanto, eliminar a pobreza é sim, hoje, uma questão de justiça.
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