quarta-feira, 30 de junho de 2010

Os Sertões

O livro de Euclides da Cunha é um clássico: preciso, honesto, crítico. Coloquei um pedacinho dos Sertões, um dos trechos que considero mais dramático, como questão de prova. Era para responder: 'qual era a sensação psicológica que a descrição de Conselheiro provocava'. Tive as mais variadas respostas, deixe a sua.

Reproduzo abaixo o texto, e adiante o contexto para entendê-lo.

Contexto: Os Sertões é dividido em três partes: a terra, o homem, a luta, onde Euclides analisa os elementos necessários para seu argumento geral, a saber, que foi o homem inserido no sertão nordestino (o meio) que gerou o dramático episódio da criação e destruição de Canudos, uma vila ergida no meio do lugar mais inóspito do sertão, que viu sua população aumentar durante a guerra (em geral, acontece o contrário, especialmente quando a época da seca avança), levando temor ao recém estabelecido exército da república brasileira. O trecho abaixo aparece no final da segunda parte,onde o homem do sertão nos é apresentado em sua figura mais poderosa, Antonio Conselheiro, líder espiritual de um movimento surpreendente e absolutamente bizarro.
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Como quer que fosse, porém, o certo é que em 1876 a repressão legal o atingiu quando já se ultimara a evolução do seu espírito, imerso de todo no sonho de onde não mais despertaria. O asceta despontava, inteiriço, da rudeza disciplinar de quinze anos de penitência. Requintara nessa aprendizagem de martírios, que tanto preconizam os velhos luminares da Igreja. Vinha do tirocínio brutal da fome, da sede, das fadigas, das angústias recalcadas e das misérias fundas. Não tinha dores desconhecidas. A epiderme seca rugava-se-lhe como uma couraça amolgada e rota sobre a carne morta. Anestesiara-a com a própria dor; macerara-a e sarjara-a de cilícios mais duros com buréis de esparto; trouxera-a, de rojo, pelas pedras dos caminhos; esturrara-a nos rescaldos das secas; inteiriçara-a nos relentos frios; adormecera-a, em transitórios repousos, nos leitos dilacerantes das caatingas...


Abeirara muitas vezes a morte nos jejuns prolongados, com requintes de ascetismo (...)

Para quem estava neste tirocínio de amarguras, aquela ordem de prisão era incidente mínimo. Recebeu-a indiferente. Proibiu aos fiéis que o defendessem. Entregou-se. Levaram-no à capital da Bahia. Ali, a sua fisionomia estranha: face morta, rígida como uma máscara, sem olhar e sem risos; pálpebras descidas dentro de órbitas profundas; e o seu entrajar singularíssimo; e o seu aspecto repugnante, de desterrado, dentro do camisolão comprido, feito uma mortalha preta; e os longos cabelos corredios e poentos caindo pelos ombros, emaranhando-se nos pêlos duros da barba descuidada, que descia até à cintura – aferroaram a curiosidade geral.

Com muitos méritos Os Sertões é considerado como uma das grandes obras da literatura universal.

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